Contos Archives - Combo XD https://comboxd.com/category/contos/ Seu Portal Pop! Thu, 25 Jan 2024 15:30:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8 https://i0.wp.com/comboxd.com/wp-content/uploads/2025/02/cropped-simbolo-xd-amarelo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Contos Archives - Combo XD https://comboxd.com/category/contos/ 32 32 231013977 O SORRISO MACABRO https://comboxd.com/o-sorriso-macabro/ Thu, 25 Jan 2024 15:30:00 +0000 https://comboxd.com/o-sorriso-macabro/ O SORRISO MACABRO (História vampírica da Romênia) Agnes Murgoci (1875 – 1929) Tradução e adaptação: Paulo Soriano Houve uma reunião noturna na aldeia, como é costume. Mas os jovens e as donzelas presentes não eram filhos de camponeses abastados. A reunião acontecia numa casa deserta e os rapazes formavam uma multidão barulhenta, risonha e zombeteira […]

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O SORRISO MACABRO
(História vampírica da Romênia)
Agnes Murgoci
(1875 – 1929)
Tradução e adaptação: Paulo Soriano

Houve uma reunião noturna na aldeia, como é costume. Mas os jovens e as donzelas presentes não eram filhos de camponeses abastados. A reunião acontecia numa casa deserta e os rapazes formavam uma multidão barulhenta, risonha e zombeteira que se fazia ouvir de uma ponta à outra da aldeia, e as meninas comportavam-se exatamente como os rapazes. Fizeram uma grande fogueira, as meninas começaram a rodopiar, os rapazes contaram todo tipo de piadas e as meninas morriam de rir.

Quando já era noite avançada, três jovens, desconhecidos dos convivas, entraram na casa. “Boa noite, boa noite”, disseram, e se juntaram na conversa geral. Enquanto todos conversavam, uma das garotas deixou cair a sua roca. Então, abaixou para pegá-la. Quando voltou ao seu lugar, estava branca como giz.

—O que houve? — perguntou uma jovem que estava ao seu lado.

A moça murmurou-lhe que os três estranhos tinham cascos de cavalos em vez de pés.

O que deveriam fazer?

Passaram, por sussurros, a terrível descoberta uma a outra e aos rapazes: os três estranhos eram vampiros, não homens.

Então, eles escaparam, um a um, e correram para casa. Os três vampiros assumiram as formas típicas de vampiros. Mas não ficaram sozinhos em casa, pois havia uma mocinha dormindo junto ao forno.

Ao amanhecer do dia seguinte, a irmã da garota adormecida, acompanhada por algumas amigas, correu para ver o que lhe havia acontecido. Quando as moças estavam a alguma distância da casa, vislumbraram uma cara sorridente a olhar pela janela

— Oh, oh — disseram elas — a nossa irmã está sorrindo!

Aproximaram-se e, entrando na casa, ficaram horrorizadas. Persignaram-se. Era somente a cabeça que jazia na janela: como os lábios haviam sido cortados, o rosto parecia sorrir[1]. Os seus intestinos, esticados, prendiam-se às unhas e espalhavam-se pelas prateleiras, e toda a casa estava manchada de sangue.

Pobre Menina!

[1] Este jocoso hábito de cortar os lábios de suas vítimas não é peculiar aos vampiros. É assim que montenegrinos, turcos e outros tratam ocasionalmente seus inimigos derrotados (N. da A).

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Os Sete Corvos https://comboxd.com/os-sete-corvos/ Mon, 22 Jan 2024 16:54:00 +0000 https://comboxd.com/os-sete-corvos/   Os Sete Corvos Irmãos Grimm Era uma vez um homem que tinha sete filhos, todos meninos, e vivia suspirando por uma menina. Afinal, um dia, a mulher anunciou-lhe que estava mais uma vez esperando criança. No tempo certo, quando ela deu à luz, veio uma menina. Foi imensa a alegria deles. Mas, ao mesmo […]

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Os Sete Corvos
Irmãos Grimm

Era uma vez um homem que tinha sete filhos, todos meninos, e vivia suspirando por uma menina. Afinal, um dia, a mulher anunciou-lhe que estava mais uma vez esperando criança.



No tempo certo, quando ela deu à luz, veio uma menina. Foi imensa a alegria deles. Mas, ao mesmo tempo, ficaram muito preocupados, pois a recém-nascida era pequena e fraquinha, e precisava ser batizada com urgência. Então, o pai mandou um dos filhos ir bem depressa até a fonte e trazer água para o batismo.

O menino foi correndo e, atrás dele, seus seis irmãos. Chegando lá, cada um queria encher o cântaro primeiro; na disputa, o cântaro caiu na água e desapareceu. Os meninos ficaram sem saber o que fazer. Em casa, como eles estavam demorando muito, o pai disse, impaciente:

– Na certa, ficaram brincando e se esqueceram da vida!

E, cada vez mais angustiado, exclamou com raiva:

– Queria que todos eles se transformassem em corvos!

Nem bem falou isso, ouviu um ruflar de asas por cima de sua cabeça e, quando olhou, viu sete corvos pretos como carvão passando a voar por cima da casa. Os pais fizeram de tudo para anular a maldição, mas nada conseguiram; ficaram tristíssimos com a perda dos sete filhos. Mas, de alguma forma, se consolaram com a filhinha, que logo ficou mais forte e foi crescendo, cada dia mais bonita. Passaram-se anos.

A menina nunca soube que tinha irmãos, pois os pais jamais falaram deles. Um dia, porém, escutou acidentalmente algumas pessoas falando dela:

– A menina é muito bonita, mas foi por culpa dela que os irmãos se desgraçaram…

Com grande aflição, ela procurou os pais e perguntou- lhes se tinha irmãos, e onde eles estavam. Os pais não puderam mais guardar segredo. Disseram que havia sido uma predestinação do céu, mas que o batismo dela fora a inocente causa. A partir desse momento, não se passou um dia sem que a menina se culpasse pela perda dos irmãos, pensando no que fazer para salvá-los.

Não tinha mais paz nem sossego. Um dia, ela fugiu de casa, decidida a encontrar os irmão onde quer que eles estivessem, nesse vasto mundo, custasse o que custasse. Levou consigo apenas um anel de seus pais como lembrança, um pão grande para quando tivesse fome, um cantil de água para matar a sede e um banquinho para quando quisesse descansar.

Foi andando, andando, se afastando cada vez mais, e assim chegou ao fim do mundo. Então, foi falar com o sol. Mas ele era assustador, quente demais e comia crianças. A menina fugiu e foi falar com a lua. Ela era horrorosa, mais fria que o gelo, e também comia crianças. Quando viu a menina, disse com um sorriso mau:
– Hum, hum… que cheirinho bom de carne humana!

A menina se afastou correndo e foi falar com as estrelas. Encontrou–as sentadas, cada uma na sua cadeirinha. Todas elas foram bondosas e amáveis com ela.

A Estrela D’alva ficou em pé e lhe deu um ossinho de frango, dizendo:
– Sem este ossinho, você não poderá abrir a Montanha de Cristal, e é na Montanha de Cristal que estão seus irmãos.

A menina pegou o ossinho, embrulhou-o num pedaço de pano, e de novo se pôs a andar. Andou, andou e afinal chegou na Montanha de Cristal. O portão estava fechado; quando desembrulhou o paninho para pegar o osso, ele estava vazio! Ela havia perdido o presente da estrela… E agora, o que fazer? Queria salvar os irmãos, mas não tinha mais a chave da Montanha de Cristal.

Sem pensar muito, meteu o dedo indicador dentro do buraco da fechadura e girou-o, mas o portão continuou fechado. Então, pegou uma faca em sua trouxinha, cortou fora um pedaço do dedo mindinho, meteu o pedaço do dedo na fechadura: felizmente, o portão se abriu.

Assim que ela entrou, um anãozinho veio a seu encontro:

– O que esta procurando, minha menina?

– Procuro meus irmãos, os sete corvos.

– Os senhores corvos não estão em casa e vão se demorar bastante. Mas, se quiser esperar, entre e fique à vontade.

Assim dizendo, o anãozinho foi para dentro e voltou trazendo a comida dos corvos em sete pratinhos, e a bebida em sete copinhos. A menina comeu um bocadinho de cada prato e bebeu um golinho de cada copo, mas deixou cair o anel que trouxera dentro do último copinho. Nesse momento, ouviu-se um zunido e um bater de asas no ar.

– São os senhores corvos que vêm vindo – explicou o anãozinho. Eles entraram, quiseram logo comer e beber e se dirigiram para seus pratos e copos. Então um disse para o outro:

– Alguém comeu no meu prato! Alguém bebeu no meu copo! E foi boca humana!

E quando o sétimo corvo acabou de beber a última gota de seu copo, o anel rolou até o seu bico. Ele reconheceu o anel de seus pais e exclamou:

– Queira Deus que nossa irmãzinha esteja aqui! Então, estaremos salvos!

Ao ouvir esse pedido, a menina, que estava atrás da porta, saiu e foi ao encontro deles. Imediatamente, os corvos recuperaram sua forma humana. Abraçaram-se e se beijaram na maior alegria e, muito felizes, voltaram todos para casa.

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A TATUAGEM – Saki (Conto) https://comboxd.com/a-tatuagem-saki-conto/ Tue, 19 Sep 2023 15:38:00 +0000 https://comboxd.com/a-tatuagem-saki-conto/ A TATUAGEM Saki (Hector Hugh Munro) (1870-1916) Tradução de Paulo Soriano — O jargão artístico dessa mulher me cansa — disse Clovis a seu amigo jornalista. — Adora dizer que certos quadros “crescem sobre nós”, como se fossem uma espécie de fungo. — Isso me lembra — disse o jornalista — a história de Henri […]

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A TATUAGEM

Saki (Hector Hugh Munro)

(1870-1916)

Tradução de Paulo Soriano

— O jargão artístico dessa mulher me cansa — disse Clovis a seu amigo jornalista. — Adora dizer que certos quadros “crescem sobre nós”, como se fossem uma espécie de fungo.

— Isso me lembra — disse o jornalista — a história de Henri Deplis. Eu já lhe contei alguma vez?

Clovis negou com a cabeça.

— Henri Deplis era por nascimento um nativo do Grão-Ducado de Luxemburgo. Em razão de uma reflexão mais madura, converteu-se em caixeiro-viajante. Suas atividades frequentemente o levavam além dos limites do Gão-Ducado e, estando numa pequena cidade do norte da Itália, chegaram-lhe notícias de que havia recebido um legado de um parente distante, que havia falecido.

Não era um grande legado, ao menos do modesto ponto de vista de Henri Deplis. Ainda assim, o impeliu a umas extravagâncias aparentemente inofensivas. Em particular, o levou a patrocinar a arte local, representada pelas agulhas de tatuagens do Signor Andreas Pincini. O Signor Pincini era, talvez, o mais brilhante mestre de tatuagem que a Itália havia conhecido, mas estava decididamente empobrecido, e pela soma de seiscentos francos empreendeu alegremente a tarefa de cobrir as costas de seu cliente, desde a clavícula até a cintura, com uma brilhante representação da Queda de Ícaro. O desenho, quando finalmente desenvolvido, causou uma ligeira desilusão no Sr. Deplis, que havia imaginado que Ícaro era uma fortaleza tomada por Wallenstein[1] na Guerra dos Trinta Anos, mas ficou mais que satisfeito com o trabalho executado, que foi aclamado por todos os que tiveram o privilégio de vê-lo como a obra-prima de Pincini.

Foi o seu maior esforço e o último. Sem sequer esperar o pagamento, o ilustre artesão deixou este mundo e foi enterrado em uma tumba ornamentada, cujos querubins alados proporcionavam pouco campo de aplicação para o exercício de sua arte favorita. Ficava, todavia, a viúva de Pincini, a quem eram agora devidos os seiscentos francos. Em sequência, veio à tona a grande crise na vida de Henri Deplis, caixeiro-viajante. O legado, sob o peso de numerosas cobranças, havia minguado a uma proporção insignificante, e quando uma premente fatura de vinho e diversas outras coisas correntes haviam sido pagas, restava pouco mais de quatrocentos e trinta francos para oferecer à viúva. A dama estava justamente indignada. Não tanto, como explicou voluvelmente, devido à sugestão de suprimir-se da dívida cento e setenta francos, mas sobretudo pelo intuito de diminuir o valor da reconhecida obra-prima do seu marido falecido. Em uma semana, Deplis se viu obrigado a reduzir a sua oferta a quatrocentos e cinco francos, o que atiçou a indignação da viúva, convolando-a em fúria. Cancelou a venda da obra de arte e, alguns dias depois, Deplis se inteirou, consternado, de que a viúva a doara a obra-prima à municipalidade de Bérgamo que, agradecida, a aceitou. Deixou a vizinhança o mais discretamente possível e se sentiu genuinamente aliviado quando seus negócios os levaram a Roma, onde esperava que sua identidade e a da famosa obra de arte pudessem perder-se de vista.

Mas Deplis carregava nas costas o peso do gênio do defunto. Certo dia, ao aparecer no fumegante corredor de um banho a vapor, foi imediatamente obrigado a vestir as roupas. Partia a ordem do proprietário, um italiano do Norte, que se recusou enfaticamente a permitir que a celebrada Queda de Ícaro fosse exibida em público sem a permissão da municipalidade de Bérgamo. O interesse público e a vigilância oficial aumentaram quando a questão foi mais amplamente conhecida, e Deplis já não mais podia tomar um simples banho no mar ou num rio nas tardes mais tórridas, a menos que se cobrisse até a clavícula com um grande traje de banho. Depois, as autoridades de Bérgamo conceberam a ideia de que a água salgada podia ser prejudicial à obra de arte e engendraram um perpétuo interdito que impedia ao atormentado caixeiro-viajante banhar-se no mar em qualquer circunstância. Este se sentiu ardentemente agradecido quando a firma, da qual era empregado, o destinou a um novo ramo de atividades na região de Bordeaux. Seu agradecimento, todavia, cessou na fronteira franco-italiana. Um imponente destacamento de forças oficiais impediu a sua partida, lembrando-o, severamente, de que uma lei específica proibia a exportação de obras de arte italianas.

Esse fato deu origem a uma reunião diplomática entre os governos italiano e luxemburguês, e em um dado momento a conjuntura europeia enturvou-se com a possibilidade de problemas. Mas o governo italiano se manteve firme. Declinou absolutamente das peripécias e mesmo da existência de Henri Deplis, caixeiro-viajante, e permaneceu inflexível em sua decisão de que a Queda de Ícaro (obra do falecido Pincini, Andreas), atualmente propriedade da municipalidade de Bérgamo, não devia jamais abandonar o país.

O alvoroço arrefeceu com o tempo, mas o infeliz Deplis, que estava constitucionalmente em condições de retrair-se, encontrou-se novamente, alguns meses mais tarde, no centro de uma furiosa controvérsia. Certo especialista em arte de nacionalidade alemã, que obtivera da municipalidade de Bérgamo a permissão para inspecionar a famosa obra-prima, declarou que era um Pincini falso, provavelmente obra de um discípulo que o mestre havia acolhido nos anos de sua decadência. A declaração de Deplis sobre o assunto carecia, obviamente, de valor, porquanto estivera sob a influência dos habituais narcóticos durante o longo processo de agulhar a estampa. O editor de uma revista italiana de arte refutou as opiniões do especialista alemão e se propôs a demonstrar que a vida privada do expert não se adequava a nenhum critério moderno de decência. A totalidade da Itália e Alemanha se entrelaçou na disputa, houve cenas tempestuosas no parlamento espanhol, e a Universidade de Copenhague outorgou uma medalha de ouro ao especialista alemão (enviando depois uma comissão para examinar as suas provas in situ), enquanto que dois estudantes poloneses em Paris se suicidaram para mostrar o que pensavam sobre o assunto.

Entretanto, o miserável portador humano da obra de arte não ia melhor do que antes, e não surpreende que caísse nas fileiras dos anarquistas italianos. Pelo menos quatro vezes foi escoltado até a fronteira como um perigoso e indesejável estrangeiro, mas era sempre trazido de volta com a Queda de Ícaro (atribuído a Pincini, Andreas, princípios do século XX). E depois, num certo dia, em um congresso anarquista de Gênova, um camarada trabalhador, no calor do debate, derramou uma ampola de líquido corrosivo em suas costas. A camisa vermelha que usava mitigou os efeitos, mas o Ícaro ficou arruinado a ponto de tornar-se irreconhecível. Seu agressor foi severamente admoestado por atacar um companheiro anarquista e foi condenado a sete anos de prisão por destruir um tesouro de arte nacional. Mal abandonou o hospital, Henri Deplis foi obrigado a cruzar a fronteira como um estrangeiro indesejável.

Nas ruas mais tranquilas de Paris, especialmente na vizinhança do Ministério de Belas Artes, pode-se encontrar, às vezes, um homem deprimido e ansioso que, se perguntado pelas horas, responderá com um sotaque ligeiramente Luxemburguês. Abriga a ilusão de que é um dos braços perdidos da Vênus de Milo, e espera convencer o governo francês a comprá-lo. Em todos os outros assuntos, creio que ele está razoavelmente são.

Publicado em: Contos de terror

[1] Albrecht von Wallenstein (1583 – 1634), general boêmio, lutou em favor de Fernando II, imperador do Sacro-Império Romano-Germânico, na Guerra dos Trinta Anos (1618 – 1648).

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A Estrela – H.G. Wells (Conto) https://comboxd.com/a-estrela-h-g-wells-conto/ Mon, 18 Sep 2023 18:40:00 +0000 https://comboxd.com/a-estrela-h-g-wells-conto/ A Estrela H.G. Wells (1897)     O anúncio foi feito no primeiro dia do ano-novo, por três observatórios, de modo quase simultâneo: o movimento de Netuno, o planeta mais afastado do Sistema Solar, tinha se tornado bastante errático. Ogilvy já chamara a atenção para um atraso suspeito na velocidade desse astro, em dezembro. Tal notícia […]

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A Estrela

H.G. Wells
(1897)

    O anúncio foi feito no primeiro dia do ano-novo, por três observatórios, de modo quase simultâneo: o movimento de Netuno, o planeta mais afastado do Sistema Solar, tinha se tornado bastante errático. Ogilvy já chamara a atenção para um atraso suspeito na velocidade desse astro, em dezembro. Tal notícia dificilmente iria interessar a um mundo cujos habitantes, em sua maioria, ignoravam a existência do planeta Netuno, e, com exceção da comunidade astronômica, a descoberta subsequente de um minúsculo ponto de luz na região daquele planeta perturbado não causou muita excitação a ninguém. Os cientistas, no entanto, consideraram extraordinária aquela descoberta, mesmo antes de ficar evidente que o novo corpo celeste estava aumentando rapidamente de tamanho e de luminosidade, que seu movimento era bem diferente dos deslocamentos regulares dos planetas, e que a deflexão de Netuno e de seu satélite estavam assumindo proporções nunca vistas.

Poucas pessoas sem informação científica são capazes de ter ideia do enorme isolamento do nosso Sistema Solar. O sol, os grãos de poeira que são seus planetas, a nuvem que são os asteroides, os cometas impalpáveis, tudo isto flutua no meio de uma imensidade vazia que desafia a imaginação. Além da órbita de Netuno existe apenas o vácuo até onde penetrou a observação humana: sem calor, sem luz, sem som, uma vastidão vazia ao longo de vinte milhões de vezes um milhão de milhas. Esta é a menor estimativa da distância que é preciso atravessar para se alcançar a estrela mais próxima. E, com exceção de alguns cometas que são mais insubstanciais do que a mais débil das chamas, não é do conhecimento humano que qualquer tipo de matéria tenha atravessado esse golfo de espaço, até que, no princípio do século XX esse estranho astro errante apareceu. Era uma vasta massa de matéria, volumosa, pesada, brotando sem aviso da escuridão misteriosa do céu, rumo à radiação do Sol. No segundo dia, era claramente visível, a qualquer instrumento óptico decente; como uma fagulha de diâmetro apenas perceptível, na constelação de Leão, perto de Regulus. Pouco tempo depois, um binóculo de ópera era capaz de percebê-la.

No terceiro dia do ano-novo, os leitores dos jornais dos dois hemisférios ficaram sabendo pela primeira vez da verdadeira importância daquela extraordinária aparição celeste. “Uma Colisão Planetária”, essa foi a manchete principal de um jornal londrino, divulgando a opinião de Duchaine de que aquele estranho planeta novo iria provavelmente colidir com Netuno. Os principais articulistas puseram-se a glosar este tema, de modo que na maioria das capitais mundiais, em 3 de janeiro, criou-se uma expectativa, ainda que vaga, quanto a um iminente fenômeno a ocorrer nos céus; e quando a noite sucedeu ao pôr do sol em volta do globo, milhares de homens ergueram os olhos para o céu, onde viram apenas as velhas e familiares estrelas, nas posições que sempre ocuparam.

Até que amanheceu em Londres, com Pollux se pondo e as estrelas no alto tornando-se mais pálidas. Era um amanhecer de inverno, e a luz fraca do dia se filtrava e se impunha no ar, enquanto o brilho dos lampiões a gás e das velas lançava um clarão amarelado pelas janelas, revelando a presença inquieta dos grupos de pessoas na rua. Mas o policial, bocejando de sono, a avistou; as multidões atarefadas nos mercados se quedaram de boca aberta, operários indo apressados para o trabalho, leiteiros, motoristas dos carros de distribuição dos jornais, boêmios voltando para casa cansados e pálidos, vagabundos sem-teto, vigias em suas guaritas e, no campo, lavradores caminhando para a roça, caçadores furtivos voltando para casa… Por cima de toda aquela vastidão ainda semi-escurecida ela podia ser vista — e no alto-mar, pelos marinheiros à espera da aurora: uma grande estrela branca, erguendo-se de repente no lado oeste do firmamento!

Era mais brilhante do que qualquer uma das estrelas do céu; mais brilhante do que a estrela da tarde em sua luminosidade mais intensa. Reluzia, grande e branca; não apenas um pontinho de luz coruscante, mas já era um pequeno disco, redondo e luminoso, uma hora após o raiar do dia. E naqueles lugares ainda não alcançados pela ciência os homens a olhavam com medo, falando entre si de guerras e de pestes anunciadas por esses sinais de fogo nos céus. Bôeres corpulentos, hotentotes escuros, negros da Costa do Ouro, franceses, espanhóis, portugueses, todos se detinham na luz cálida do sol observando o declínio daquela estrela nova e estranha.

E em uma centena de observatórios houve uma excitação contida, quase redundando em algazarra, quando os dois corpos celestes convergiram um para o outro; e uma correria apressada para preparar aparelhos fotográficos e espectroscópios, e mais esta e aquela máquina, para registrar essa visão inédita e espantosa, a destruição de um mundo. Porque era um mundo, um planeta irmão da Terra e, na verdade, muito maior do que ela, que havia sido vitimado por aquela morte chamejante. Netuno tinha sido atingido bem de frente pelo estranho planeta do espaço exterior, e o calor da colisão tinha imediatamente transformado os dois sólidos globos em uma única e vasta massa incandescente. Ao redor do mundo inteiro naquele dia, duas horas antes do amanhecer, ergueu-se a enorme e pálida estrela branca, cujo brilho esmaeceu apenas quando começou a descer no oeste e o sol ergueu-se do lado oposto. Por toda parte os homens se maravilharam à sua visão, mas de todos que a avistaram nenhum se maravilhou mais do que os marinheiros, vigias habituais das estrelas, que, viajando em mar alto, nada sabiam da sua aproximação e a viam agora erguendo-se como uma lua anã, escalando o céu rumo ao zênite, onde flutuava por algum tempo e depois descia no ocidente, com o avanço da noite.

Na vez seguinte em que se ergueu nos céus da Europa, por toda parte havia observadores nas encostas das colinas, nos tetos das casas, nos espaços abertos, de tocaia na direção do leste, esperando o nascer da grande estrela nova. Ela se ergueu precedida por uma luminosidade branca, como a luz de um fogo branco, e aqueles que a viram erguer-se na noite anterior gritaram, ao vê-la: “Está maior!”, exclamaram eles, “Está mais brilhante!”. E de fato a lua em quarto crescente mergulhava no oeste, e em tamanho aparente não era possível comparar as duas, mas mesmo em toda sua largura a lua não produzia tanto brilho quanto o minúsculo círculo da estranha estrela nova. “Está mais brilhante!”, exclamavam as pessoas aglomeradas na rua. Mas na meia-luz dos observatórios os astrônomos prendiam a respiração e se entreolhavam. “Está mais próxima”, murmuravam eles. “Mais próxima!”

E outra voz, e depois mais outra repetia: “Está mais próxima”, e os telégrafos começavam a tiquetaquear, e a mensagem zunia ao longo dos fios, e em um milhar de cidades linotipistas taciturnos a digitavam nas teclas. “Está mais próxima.” Homens que escreviam em seus gabinetes eram tomados de súbito por essa ideia e abaixavam a caneta; homens que conversavam em mil lugares diferentes percebiam de súbito a possibilidade grotesca contida naquelas palavras: “Está mais próxima.” A mensagem se espalhou pelas ruas que despertavam do seu sono e foi gritada nas alamedas cobertas de geada, pelos vilarejos silenciosos; homens que a leram nas fitas agitadas do teletipo paravam no umbral iluminado das portas e gritavam para os passantes: “Está mais próxima!” Belas mulheres, ruborizadas e deslumbrantes, ouviam a notícia sendo repetida em tom brincalhão entre uma dança e outra, e fingiam uma expressão de inteligência e de um interesse que estavam longe de sentir. “Mais próxima. Que coisa! Como é interessante! Como as pessoas precisam ser inteligentes, para ficar sabendo de coisas assim!”

Vagabundos solitários enfrentavam a noite de inverno murmurando aquelas palavras para seu próprio conforto, olhando para o céu. “Ela precisa estar mais perto, porque a noite está fria como a caridade. De qualquer modo, estar mais próxima não nos aquece nem um pouco.”

“O que significa para mim uma estrela nova?”, chorava a mulher, ajoelhada junto do morto querido.

O estudante, acordando cedo para estudar para a prova, começou a examinar o problema, vendo a grande estrela branca erguer-se larga e brilhante através do desenho da geada nos vidros da janela. “Centrífuga, centrípeta”, murmurou ele, com o queixo apoiado na mão. “Pare um planeta no meio do seu trajeto, retire sua força centrífuga, e então? A força centrípeta toma conta, e ele cai na direção do sol! E isto… Será que estamos no trajeto? Ficou pensando…”

A luz daquele dia se dissipou como a dos anteriores, e as vigílias tardias no meio da escuridão gelada viram erguer-se de novo a estranha estrela. Estava agora tão brilhante que a própria lua parecia apenas um reflexo pálido de si mesma, pendendo, enorme, para o lado do pôr do sol. Numa cidade da África do Sul um homem importante acabava de se casar, e as ruas estavam todas claras para o seu regresso com a noiva. “Até os céus se iluminaram”, disse um bajulador. Sob o Trópico de Capricórnio, um casal de namorados negros, desafiando os animais selvagens e os maus espíritos pelo amor um do outro, agachou-se no meio de um canavial onde esvoaçavam vaga-lumes. “Essa é a nossa estrela”, murmuraram eles, e se sentiram estranhamente confortados pelo doce brilho daquela luz.

O professor de matemática, sentado em seu gabinete, empurrou para longe as folhas de papel. Seus cálculos estavam quase concluídos. No pequeno frasco de vidro ainda restava um pouco da droga que o mantivera desperto e ativo ao longo daquelas quatro noites. Todos os dias, sereno, explícito, paciente como sempre, ele dera aula aos alunos e depois voltara para se entregar aos cálculos. Seu rosto estava grave, um pouco desgastado e macilento devido ao esforço e à droga. Durante algum tempo, pareceu perdido em seus pensamentos. Depois ergueu-se e foi à janela, fazendo a persiana erguer-se com um estalo. Suspensa no céu por sobre os tetos amontoados, as chaminés e as torres da cidade, brilhava a estrela.

Ele a fitou como alguém que olha nos olhos de um inimigo corajoso. “Você pode me matar”, disse após um silêncio. “Mas eu posso ter você, e todo o resto do universo, aliás, aqui — dentro deste meu pequeno cérebro. E não vou mudar. Nem mesmo agora.”

Olhou para o pequeno frasco. “Não vou precisar mais dormir”, disse. No dia seguinte, ao meio-dia em ponto, ele entrou no auditório, pôs o chapéu junto à borda da mesa, como era seu hábito, e escolheu cuidadosamente um pedaço de giz. Corria entre seus alunos a piada de que ele era incapaz de falar sem ter um giz entre os dedos, e uma vez tinha se quedado, impotente, diante da turma, porque alguém escondera o giz. Ele adiantou-se e olhou, por sob as sobrancelhas cerradas, as fileiras superpostas de rostos jovens à sua frente, e falou como era seu costume, em frases simples e bem-articuladas.

— Surgiram circunstâncias, circunstâncias que estão além do meu controle — disse ele, e fez uma pausa. — Elas vão me impedir de levar até o fim o curso que planejei. Parece-me, cavalheiros, se é que posso colocar a questão de um modo tão direto, que o Homem existiu em vão.

Os alunos se entreolharam. Ouviram direito? Ele estaria louco? Aqui e ali viram-se sobrancelhas erguidas e lábios sorridentes, mas um ou dois rostos continuaram voltados para o rosto calmo do professor, emoldurado por cabelos grisalhos.

Ele se virou para o quadro negro, concentrando-se num diagrama, como lhe era habitual.

— O que foi isso sobre existir em vão? — sussurrou um estudante para o colega.

— Escute — foi a resposta do outro, fazendo um gesto na direção do mestre.

E aos poucos eles começaram a entender.

Naquela noite a estrela ergueu-se mais tarde, porque seu próprio movimento pelo espaço a carregara através da constelação de Leão na direção de Virgem, e seu brilho era tão forte que o céu inteiro ficou de um azul luminoso quando ela se ergueu, e todas as outras estrelas sumiram, com exceção de Júpiter perto do zênite, Capela, Aldebarã, Sirius e às duas estrelas da Ursa Maior que apontam para o norte. Era uma estrela muito bela e muito branca. Em várias partes do mundo, naquela noite, foi vista rodeada por um halo de luz pálida. Estava visivelmente maior; no ar claro e refrativo dos trópicos parecia ter quase um quarto do tamanho da lua. Ainda havia geada no chão da Inglaterra, mas o mundo estava tão brilhantemente iluminado como se aquilo fosse uma lua cheia no meio do verão. Era possível ler um livro àquela luz, e nas cidades as chamas de gás queimavam amareliças e pálidas.

E por toda parte, naquela noite, o mundo ficou desperto, e através de toda a Cristandade um murmúrio se espalhou pelos ares como um zumbido de abelhas na colmeia, e esse murmúrio inquieto se transformou num clangor ao chegar nas cidades. Era o bimbalhar de sinos em um milhão de torres e de campanários, dizendo ao povo que não dormisse mais, que não pecasse mais, e que se reunisse nas igrejas para rezar. E no alto, ficando maior e mais brilhante enquanto a Terra girava sobre si mesma e a noite avançava, erguia-se a estrela luminosa.

As ruas e as casas estavam iluminadas nas cidades, os estaleiros resplandeciam de luzes, e todas as estradas que levavam ao campo ficaram acesas e cheias de gente durante a noite. E nos mares de todas as terras civilizadas espalhavam-se navios com motores barulhentos e navios com velas enfunadas, cheios de homens e de criaturas vivas, todos olhando na direção do mar e do norte. Porque àquela altura o alarme do professor de matemática já tinha sido telegrafado através do mundo inteiro, e traduzido numa centena de idiomas. O novo planeta e Netuno, fundidos num abraço fatal, vinham rodopiando pelo espaço, cada vez mais depressa, na direção do sol. A cada segundo aquela massa ardente percorria cem milhas, e a cada segundo sua terrível velocidade aumentava. No trajeto que percorria agora, deveria passar a cerca de cem milhões de milhas da Terra, e mal a afetaria. Mas próximo de sua trajetória, tendo sido apenas levemente perturbado até então, encontrava-se o grande planeta Júpiter e suas luas, girando com esplendor em volta do sol. E a cada instante ficava mais forte a atração entre a estrela flamejante e o maior dos planetas. E qual seria o resultado dessa atração?

Inevitavelmente, Júpiterseria desviado de sua órbita para uma órbita elíptica, e sua atração arrastaria a estrela ardente para longe do caminho que vinha percorrendo rumo ao sol, descrevendo “uma trajetória curva” que a levaria a colidir, ou pelo menos a passar muito próxima da Terra. “Terremotos, erupções vulcânicas, ciclones, tsunamis, inundações e uma temperatura em contínua elevação até não sei que limite”, profetizara o professor de matemática.

E lá no alto, confirmando suas palavras, brilhava ela, solitária, lívida e fria, a estrela que trazia a catástrofe final.

Muitos que a observaram sem parar durante aquela noite tiveram a vívida impressão de que ela estava chegando mais perto. E naquela noite também o clima mudou, e a geada que tinha coberto toda a Europa Central, a França e a Inglaterra começou a derreter.

Mas não se deve pensar que porque falei de gente rezando a noite inteira, gente superlotando os navios, gente fugindo para as montanhas, que o mundo inteiro estava tomado de terror por causa da estrela. Para falar a verdade, o hábito e a rotina ainda governavam o mundo, e, a não ser pelas conversas nos momentos de lazer e pelo esplendor da noite, nove em cada dez seres humanos continuavam dedicados às suas ocupações costumeiras. Em todas as cidades, as lojas, à exceção de uma ou outra, abriam e fechavam no horário de sempre, o médico e o agente funerário exerciam seus ofícios, os operários se aglomeravam nas fábricas, soldados se exercitavam, eruditos estudavam, amantes iam em busca um do outro, ladrões ocultavam-se e fugiam, políticos preparavam suas armações. As oficinas dos jornais trabalhavam a noite inteira, e muitos padres, nesta igreja e naquela, recusavam-se a abrir seus recintos sagrados para alimentar o que eles consideravam um pânico insensato. Os jornais insistiam em lembrar a lição do ano 1000, porque naquela época, também, as pessoas temeram o fim. A estrela não era estrela; era mero gás, um cometa. E se fosse uma estrela não podia se chocar com à Terra. Não havia precedentes para uma coisa assim. O bom senso se reforçava por toda parte, irônico, sarcástico, inclinando-se a fustigar os demasiado medrosos.

Naquela noite, às 7h15 de Greenwich, a estrela estava em seu ponto mais próximo de Júpiter. E então o mundo iria ver que rumo tomariam as coisas. As previsões sombrias do professor de matemática eram consideradas por muitos como uma ambiciosa publicidade para si mesmo. E no fim o bom senso, um tanto afogueado pelas discussões, provava sua convicção imutável simplesmente recolhendo-se ao leito; e do mesmo modo o barbarismo e a selvageria, também cansados da novidade, voltavam às suas preocupações noturnas, e a não ser por um cão que uivava aqui e acolá o mundo animal ignorava a estrela.

Contudo, quando por fim os observadores europeus viram a estrela se erguer, com uma hora de atraso, é verdade, mas não maior do que tinha aparecido na noite anterior, havia bastante gente acordada para rir do professor de matemática, e para considerar que o perigo tinha passado.

Mas daí em diante o riso cessou. A estrela cresceu. Cresceu de tamanho com uma terrível constância, hora após hora, um pouco maior a cada hora que passava, um pouco mais perto do zênite à meia-noite, e cada vez mais brilhante, até transformar a noite num segundo dia. Se ela tivesse continuado em linha reta rumo à Terra, em vez de numa trajetória curva; se não tivesse perdido velocidade em Júpiter, teria transposto aquela distância em um dia, mas no fim precisou de cinco dias inteiros para se aproximar de nosso planeta. Na noite seguinte já tinha um terço do tamanho da Lua antes de se pôr diante dos olhos dos ingleses, e o degelo estava garantido. Ergueu-se sobre a América quase do tamanho da Lua, com um clarão branco que ofuscava a todos, e quente; e um sopro de vento morno ergueu-se agora no momento em que ela surgia, ganhando força, e na Virginia, no Brasil, e por todo o vale de St. Lawrence brilhou de forma intermitente através de uma pesada cortina de trovoadas, relâmpagos cor de violeta, e um granizo como nunca antes se vira. Em Manitoba, veio o degelo, com inundações arrasadoras. E em todas as montanhas da Terra, naquela noite, a neve e o gelo começaram a derreter, e os rios que desciam dos planaltos vinham espessos e turbulentos, e logo, nos trechos superiores, arrastando troncos de árvores que rodopiavam, e corpos de homens e de animais. Os rios se avolumaram cada vez mais sob aquele brilho fantasmagórico, e acabaram por transbordar dos seus limites, fazendo a população dos vales fugir.

Ao longo da costa da Argentina e por todo o Atlântico Sul as marés eram mais altas do que tinham sido na memória dos homens, e em muitos casos as tempestades empurravam as águas terra adentro, por dezenas de quilômetros, submergindo cidades inteiras. E o calor aumentou a tal ponto naquela noite que o nascer do sol foi como a chegada de uma sombra. E então começaram os terremotos, até que por toda a América desde o Círculo Ártico até o Cabo Horn os despenhadeiros estavam desabando, rachaduras se abrindo, casas e muralhas sendo vítimas da destruição. Uma banda inteira do Cotopaxi se desfez durante uma vasta convulsão, e uma torrente de lava brotou por ali, tão alta e larga e líquida e veloz que lhe bastou apenas um dia para atingir o mar.

E assim a estrela, com a lua a reboque, deslocou-se através do Pacífico, arrastando as tempestades atrás de si como se fossem um manto, e o enorme tsunami que as acompanhou, espumante, ávido, abateu-se sobre uma ilha após outra, varrendo delas todo o sinal da presença humana. Até que veio a última onda de todas, por entre uma luz ofuscante e com um bafo de fornalha, rápida, terrível, uma parede de água com mais de vinte metros de altura, rugindo, faminta, rumo à costa da Ásia, e arrojando-se continente adentro através das planícies da China. Por algum tempo a estrela, agora mais quente, maior e mais brilhante do que o sol em toda sua força, exibiu-se com um clarão impiedoso por sobre aquele país vasto e populoso; cidades e vilarejos com seus pagodes e suas árvores, estradas, campos cultivados, milhões de pessoas insones olhando com terror indefeso para o céu incandescente; e depois, grave e profundo, veio o rugido da inundação.

Foi assim com milhões de pessoas naquela noite — uma fuga para lugar nenhum, com os membros enfraquecidos pelo calor, a respiração curta e escassa, e por trás delas a inundação como uma muralha rápida e branca que se aproximava. E depois a morte.

A China estava banhada por aquela luz branca, mas sobre o Japão e Java e todas as ilhas da Ásia Oriental a grande estrela era uma bola vermelha de fogo, por causa do vapor, da fumaça, das cinzas que os vulcões cuspiam para saudar sua chegada. Por cima corriam a lava, os gases quentes e as cinzas, e por baixo a massa fervilhante do maremoto, enquanto a Terra inteira estremecia e ribombava com os terremotos profundos. Logo, até as neves imemoriais do Himalaia e do Tibete estavam se derretendo e escorrendo através de dez milhões de canais, convergindo para as planícies de Burma e do Industão. As copas emaranhadas das florestas da Índia ardiam em mil pontos diferentes, e por entre as águas impetuosas que se escoavam entre os troncos viam-se vultos escuros ainda se debatendo e refletindo as línguas vermelhas do fogo. E numa confusão desorientada, multidões de homens e mulheres fugiam ao longo dos rios rumo à última esperança do homem — o mar aberto.

E a estrela ficava cada vez maior, e mais quente, e mais brilhante, com uma rapidez terrível. O oceano tropical perdera toda sua fosforescência, e o vapor se erguia com chiados em colunas fantasmagóricas por entre as ondas escuras que se abatiam sem cessar, juncadas de navios açoitados pela tormenta.

E então deu-se um prodígio. Pareceu, a todos que na Europa esperavam pelo nascer da estrela, que o mundo tinha cessado sua rotação. Em milhares de espaços abertos, nas terras altas e nas terras baixas, as pessoas que haviam fugido das inundações, dos desmoronamentos e das avalanches esperaram em vão que ela surgisse.

As horas se sucederam, num terrível suspense, mas a estrela não se ergueu. Os homens puderam avistar de novo as velhas constelações que tinham imaginado perdidas para sempre. Na Inglaterra o céu estava limpo e quente, embora o chão estremecesse sem parar, mas, nos trópicos, Sirius, Capela e Aldebarã eram visíveis através de um véu de vapor aquecido. E quando por fim a grande estrela se ergueu, com dez horas de atraso, o Sol também surgiu por trás dela, e no centro de seu resplendor branco via-se um disco negro.

Sobre a Ásia, a estrela estava com atraso em seu movimento no céu, e depois, de repente, quando ela flutuava sobre a Índia, sua luz tornou-se mortiça. Toda a planície indiana desde a boca do Indus até a do Ganges era naquela noite uma vastidão arrasada coberta de águas cintilantes, de onde se erguiam templos e palácios, montanhas e colinas, escuras de gente. Cada minarete estava coberto por um amontoado de pessoas, que caíam de uma em uma, nas águas turbulentas, à medida que o calor e o desespero as abatiam. Da terra inteira parecia elevar-se um clamor, e de repente uma sombra se lançou sobre aquela fornalha de terror, e um sopro de vento frio, e um turbilhão de nuvens, surgiram no ar subitamente mais fresco. Os homens ergueram olhos quase cegos para a estrela, e viram que um disco negro cruzava a face luminosa. Era a Lua, surgindo entre a estrela e à Terra.

E, enquanto os homens gritavam a Deus agradecendo aquele alívio, no horizonte ao leste, com uma rapidez estranha, inexplicável, apareceu o Sol. E então a estrela, o Sol e a Lua foram arrastando-se juntos pelo firmamento.

Ocorreu então que, aos olhos dos observadores europeus, a estrela e o Sol surgiram muito próximos um do outro, ergueram-se juntos no espaço durante algum tempo, indo cada vez mais devagar até se imobilizarem no zênite, estrela e Sol fundidos num único clarão. A Lua já não eclipsava a estrela, mas estava invisível num céu brilhante como aquele. E embora a maioria dos sobreviventes visse isto através do embrutecimento gerado pela fome, fadiga, pelo calor e o desespero, ainda havia homens capazes de perceber o significado daqueles sinais. A estrela e a Terra tinham passado pelo seu ponto mais próximo, tinham cruzado uma pela outra, e a estrela passara. Já estava se afastando, cada vez mais depressa, no último trecho de sua jornada para baixo, rumo ao Sol.E então as nuvens se fecharam, tapando a visão do céu, e os trovões e os relâmpagos teceram um véu ao redor do mundo; através da Terra inteira despejou-se uma catadupa de chuva tal como a humanidade nunca vira, e enquanto os vulcões explodiam vermelhos, de encontro à abóbada de nuvens, as torrentes de lama se derramavam. Por toda parte a água corroía à terra, deixando ruínas cobertas de lama, e à terra ficou juncada de destroços, como uma praia fustigada pela tempestade e coberta de tudo que flutua, e os corpos mortos dos homens, dos animais e das crianças. Durante dias as águas varreram à terra, arrancando o solo, as árvores e as casas, no seu trajeto, produzindo pilhas gigantescas de destroços, abrindo fendas ciclópicas através do terreno. Estes foram os dias de escuridão que sucederam à estrela e ao calor. E ao longo deles, e durante muitas semanas e meses, os terremotos prosseguiram.

Mas a estrela tinha ido embora, e os homens, empurrados pela fome e pouco a pouco recobrando a coragem, podiam agora arrastar-se de volta às suas cidades em ruínas, seus celeiros embaixo da terra, seus campos empapados. Alguns poucos navios que escaparam às tempestades daquele tempo retornaram, atônitos, estonteados, abrindo caminho com todo cuidado por entre as novas marcas e o novo desenho de portos que eles antes haviam conhecido muito bem. E quando as tormentas amainaram, os homens perceberam por toda parte que os dias agora eram mais quentes do que antes, e o Sol estava maior, e a Lua, encarquilhada até ficar um terço de seu antigo tamanho, demorava agora oitenta dias para ir de Nova a Nova.

Mas sobre a nova fraternidade que em seguida brotou entre os homens, ou sobre o modo como se salvaram leis, livros e máquinas, ou sobre a estranha mudança que se deu na Islândia, na Groenlândia e nas costas da Baía de Baffin, de modo que os marinheiros que ali aportaram as encontraram verdes e férteis, e mal puderam acreditar em seus olhos… sobre nada disto esta história vai falar. Nem sobre as deslocações da espécie humana, agora que à Terra estava mais quente, rumo ao sul ou ao norte, rumo aos pólos da Terra. Esta história vai falar apenas da vinda e da passagem da Estrela.

Os astrônomos marcianos — porque existem astrônomos em Marte, embora sejam criaturas muito diferentes dos homens — ficaram, é claro, profundamente interessados nessas coisas. Interpretavam tudo de acordo com seu ponto de vista, é claro. “Considerando a massa e a temperatura do míssil que foi arremessado através do nosso Sistema Solar na direção do Sol”, escreveu um deles, “é espantoso o pouco dano que à Terra, por pouco não atingida por ele, acabou sofrendo. O desenho familiar dos continentes e as massas oceânicas permanecem intactos, e sem dúvida a única diferença parece ter sido a retração da coloração branca (que se supõe consistir de água gelada) em redor de cada polo”. O que serve apenas para demonstrar o quanto as mais vastas das catástrofes humanas podem parecer pequenas, à distância de alguns milhões de milhas.

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O ovo de cristal – H.G. Wells (Conto) https://comboxd.com/o-ovo-de-cristal-h-g-wells-conto/ Fri, 08 Sep 2023 21:54:00 +0000 https://comboxd.com/o-ovo-de-cristal-h-g-wells-conto/ O ovo de cristal H.G. Wells  (1897)     Havia, até um ano atrás, uma lojinha de aparência suja, no oeste de Londres, com um letreiro amarelo gasto em que se lia “C. Cave, Naturalista e Negociante de Antiguidades”. O conteúdo de sua vitrine era curiosamente variado: presas de elefante e um conjunto incompleto de peças […]

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O ovo de cristal

H.G. Wells 
(1897)

    Havia, até um ano atrás, uma lojinha de aparência suja, no oeste de Londres, com um letreiro amarelo gasto em que se lia “C. Cave, Naturalista e Negociante de Antiguidades”. O conteúdo de sua vitrine era curiosamente variado: presas de elefante e um conjunto incompleto de peças de xadrez, miçangas e armas, uma caixa com olhos, dois crânios de tigres e um de humano, vários macacos de pelúcia comidos por traças (um segurava uma lâmpada), um armário antigo, algo que parecia um ovo de avestruz encardido, alguns equipamentos de pesca e um tanque de vidro vazio e extraordinariamente sujo. Havia, também, no momento em que essa história começa, um objeto de cristal, trabalhado na forma de um ovo e incrivelmente polido. Era para isso que dois homens olhavam do lado de fora da vitrine, um deles, um clérigo alto e magro, e o outro um jovem de barba escura e pele morena, com roupas discretas. O jovem falava e gesticulava com entusiasmo, parecendo ansioso para que seu companheiro comprasse o artigo.
Enquanto estavam ali, o Sr. Cave apareceu na loja, a barba ainda cheia de farelos de pão com manteiga de seu chá da tarde. Assim que viu os homens e o objeto de sua admiração, seu semblante endureceu. Lançou um olhar culpado por cima do ombro e, suavemente, fechou a porta dos fundos. Ele era um homem pequeno e velho, de rosto pálido e olhos peculiarmente azuis. Seu cabelo era de um cinza sujo, e vestia um sobretudo azul gasto, um chapéu de seda antigo e um sapato felpudo rente ao calcanhar. Ficou observando a conversa dos dois homens. O clérigo enfiou a mão no bolso da calça, examinou um punhado de dinheiro e mostrou os dentes, em um sorriso afável. O Sr. Cave parecia ainda mais deprimido quando entraram na loja.
O clérigo, sem cerimônias, perguntou o preço do ovo de cristal. O Sr. Cave, olhando nervosamente para a porta dos fundos, informou que custava cinco libras. O clérigo protestou, tanto para seu companheiro quanto para o Sr. Cave, que o preço era alto — era, de fato, muito mais do que o Sr. Cave pretendia cobrar quando recebeu o artigo —, e uma tentativa de barganha se iniciou. O Sr. Cave foi até a porta da loja e a abriu. “Cinco libras é meu preço”, disse, como se quisesse se poupar de uma discussão sem proveito. Assim que o fez, o rosto de uma mulher apareceu acima da cortina da porta que dava para os fundos, olhando com curiosidade para os dois fregueses. “Cinco libras é meu preço”, repetiu o Sr. Cave, com um tremor na voz.
O jovem apenas observava o Sr. Cave com atenção, até que falou: “Dê-lhe às cinco libras”. O clérigo olhou para ele, para garantir que estava falando sério, e então olhou para o Sr. Cave de novo, percebendo que seu rosto estava branco. “Está muito caro”, disse o clérigo e, mergulhando a mão no bolso, começou a contar seus recursos. Ele tinha menos de uma libra, e apelou a seu companheiro, de quem parecia ser íntimo. Isso deu ao Sr. Cave a oportunidade de reunir seus pensamentos, e então começou a explicar de maneira agitada que o cristal não estava, de fato, à venda. Seus dois clientes ficaram naturalmente surpresos com isso, e perguntaram por que ele não havia dito isso antes de barganhar. O Sr. Cave ficou confuso, mas manteve sua história de que o cristal não estava mais à venda, pois um provável comprador já havia aparecido. Os dois, tratando esse comportamento como uma tentativa de aumentar ainda mais o preço, começaram a se retirar da loja. Mas, nesse momento, a porta dos fundos se abriu, e a dona de uma franja escura e olhos pequenos apareceu.
Ela era uma mulher corpulenta, de características grosseiras, mais jovem e muito maior que o Sr. Cave. Andava pesadamente, e seu rosto estava vermelho. “Esse cristal está à venda”, ela disse. “E cinco libras é um preço bom o suficiente. Não sei o que está pensando, Cave, ao recusar a oferta dos cavalheiros!”.
O Sr. Cave, muito perturbado pela interrupção, olhou para ela furiosamente por cima dos aros dos óculos e, sem muita confiança, afirmou seu direito de gerenciar seus negócios à sua maneira. Uma discussão se iniciou. Os dois fregueses assistiram à cena com interesse e alguma diversão, ocasionalmente ajudando a Sra. Cave com sugestões. O Sr. Cave duramente insistiu em uma confusa e impossível história de que haviam perguntado pelo cristal naquela manhã, e sua agitação se tornou dolorosa. Mas ele manteve seu argumento com extraordinária persistência. Foi o jovem oriental que acabou com a curiosa controvérsia. Ele propôs que voltassem no prazo de dois dias, dando assim ao suposto interessado uma chance justa. “E então, devemos insistir”, disse o clérigo. “Cinco libras”. A Sra. Cave tomou a iniciativa de pedir desculpas pelo marido, explicando que ele às vezes era “um pouco esquisito” e, assim que os clientes saíram, o casal iniciou uma discussão sobre o incidente.
A Sra. Cave falou com o marido com singular franqueza. O pobre homem, tremendo de emoção, se embaralhava entre as histórias, sustentando, por um lado, que havia outro cliente em vista, e, por outro, que o cristal valia de fato umas dez libras. “E por que pediu cinco?”, disse a esposa. “Deixe-me gerenciar meus negócios à minha maneira!”, repetiu o Sr. Cave.
Ele vivia com os dois filhos de sua esposa e, no jantar daquela noite, a transação voltou a ser discutida. Nenhum deles tinha uma boa opinião sobre os métodos de negócio do Sr. Cave, e sua última ação parecia uma loucura culminante.
“Eu acho que ele já se recusou a vender esse cristal antes”, disse o enteado, um garoto desajeitado de dezoito anos.
“Mas cinco libras!”, disse a enteada, uma jovem argumentativa de vinte e seis.
As respostas do Sr. Cave eram miseráveis. Ele só conseguia murmurar algumas afirmações fracas sobre conhecer melhor seu próprio negócio. Eles o fizeram largar o jantar pela metade e sair para a loja, com os ouvidos em chamas e lágrimas de irritação por trás dos óculos. Por que ele deixou o cristal na vitrine por tanto tempo? Que tolice! Essa era a maior preocupação em sua mente. Por um momento, não via como escapar da venda.
Depois do jantar, seus enteados se arrumaram e saíram, enquanto sua esposa foi para o quarto refletir sobre a venda do cristal com um pouco de chá. O Sr. Cave voltou para a loja e ficou lá até tarde, supostamente preparando jardins ornamentais para os aquários, mas na realidade, para um propósito privado que será melhor explicado posteriormente. No dia seguinte, a Sra. Cave descobriu que o cristal havia sido removido da vitrine e estava atrás de alguns livros velhos sobre pesca. Ela o colocou de volta em um local visível, mas não discutiu mais a respeito, debilitada por uma forte dor de cabeça. O Sr. Cave nem precisava ter uma dor de cabeça para decidir escapar de uma discussão. O dia seguiu de forma desagradável. O Sr. Cave estava ainda mais distraído que o habitual, e incomumente irritável. À tarde, enquanto a esposa tirava seu costumeiro cochilo, ele removeu o cristal da vitrine.
No dia seguinte, o Sr. Cave teve que entregar uma remessa de peixes para dissecação em um hospital da faculdade. Em sua ausência, a mente da Sra. Cave se voltou ao tema do cristal e aos melhores métodos de gastar suas cinco libras. Ela já havia planejado alguns expedientes muito agradáveis, como um vestido de seda verde e uma viagem à Richmond, quando um toque da campainha da porta da frente a convocou à loja. O cliente era um professor, que veio reclamar da não entrega de certos sapos solicitados no dia anterior. A Sra. Cave não aprovava esse ramo específico dos negócios de seu marido, e o cavalheiro, que a havia chamado em um tom um tanto agressivo, se retirou após uma breve troca de palavras — inteiramente civis, da parte dele. A visão da Sra. Cave, então, naturalmente se voltou para a vitrine, já que o cristal era a garantia das cinco libras e de seus sonhos. Não foi diminuta sua surpresa ao notar a ausência!
Ela foi para o local atrás do balcão, onde o havia descoberto no dia anterior. Não o encontrou lá, e imediatamente iniciou uma busca impaciente pela loja.
Quando o Sr. Cave retornou de seus negócios com os peixes, por volta das duas da tarde, encontrou a loja revirada e sua esposa irritada, de joelhos atrás do balcão, mexendo em seus materiais de taxidermia. Assim que ouviu o sino da loja anunciando sua entrada, ela se ergueu, vermelha e irritada, acusando-o de escondê-lo.
“Esconder o quê?”, perguntou o Sr. Cave. “O cristal!”.
Ao ouvir isso, o Sr. Cave, aparentando surpresa, correu para a vitrine. “Não está aqui?” ele perguntou. “Grande pai! O que fizeram dele?”.
Nesse momento, seu enteado entrou na loja pela porta dos fundos — ele havia chegado pouco antes do Sr. Cave —, soltando palavrões a torto e a direito. Ele estava estagiando no brique do final da rua e fazia as refeições em casa, por isso estava incomodado de não encontrar seu almoço preparado.
Assim que ouviu sobre o sumiço do cristal, esqueceu-se da refeição, e sua raiva se voltou da mãe para o padrasto. Suas primeiras suspeitas, é claro, eram de que ele o havia escondido. Mas o Sr. Cave negou veementemente saber do destino do objeto, oferecendo juramentos de sua palavra — e por fim chegou ao ponto de acusar a esposa e o enteado de o terem roubado. Assim se iniciou uma discussão extremamente amarga e emotiva, que culminou com a Sra. Cave em um estado entre a histeria e o ódio, e fez com que o enteado chegasse meia hora atrasado no serviço. O Sr. Cave buscou na loja um refúgio das emoções de sua esposa.
À noite, o assunto foi retomado, com menos paixão e uma aura judicial, sob presidência da enteada. A janta foi infeliz e acabou em uma cena dolorosa. Finalmente o Sr. Cave cedeu a uma irritação extrema e saiu batendo a porta com violência. O resto da família, discutindo o caso com a liberdade de sua ausência, revirou a casa em busca do cristal.
No dia seguinte, os dois clientes apareceram novamente. Foram atendidos por uma Sra. Cave quase em lágrimas. Ela deixou claro que ninguém podia imaginar tudo o que já tinha passado em seus muitos anos de casamento, e deu, também, um relato deturpado do desaparecimento. O clérigo e o jovem trocaram um riso silencioso, e disseram que o caso era muito extraordinário. Como a Sra. Cave parecia disposta a lhes contar toda a história de sua vida, eles se preparam para sair da loja. Nesse momento, a Sra. Cave, com um fio de esperança, pediu o endereço do clérigo, para que, caso obtivesse algo de Cave, pudesse avisá-lo. O endereço foi devidamente informado, mas, posteriormente, extraviado. A Sra. Cave não se lembra de nada sobre o assunto.
Na noite daquele dia, os Caves pareciam ter esgotado suas emoções. O Sr. Cave, que havia saído à tarde, jantou em um isolamento sombrio que, para ele, significava um contraste alegre perante a inflamada controvérsia dos dias anteriores. Durante algum tempo, a convivência foi difícil na casa dos Cave, mas nem o cristal, nem os clientes apareceram.
Agora, sem conversa fiada, devemos admitir que o Sr. Cave é um mentiroso: ele sabia perfeitamente bem onde estava o cristal. Estava em um aparador, parcialmente coberto por um pano de veludo preto, ao lado de uma garrafa de uísque americano, nos aposentos do Sr. Jacoby Wace, professor no Hospital St. Catherine, na Rua Westbourne. Vêm do Sr. Wace, inclusive, as informações sobre as quais essa narrativa se baseia. Cave havia levado o cristal para o hospital na sacola dos peixes, e pressionou o jovem professor a guardá-lo para ele. O Sr. Wace, a princípio, teve dúvidas; sua relação com Cave era peculiar. Ele gostava de personalidades incomuns e havia mais de uma vez convidado o velho para fumar e beber em seus aposentos, buscando entender suas visões bastante divertidas sobre a vida em geral e sobre sua esposa, em particular. O Sr. Wace havia encontrado a Sra. Cave, também, nas ocasiões que o Sr. Cave não podia atendê-lo. Ele conhecia a constante interferência à qual Cave estava sujeito e, após ponderar a história judicialmente, decidiu dar um refúgio ao cristal. O Sr. Cave prometeu explicar melhor as razões de sua afeição pelo cristal em outro momento, mas falou claramente de ter visões nele. Ele ligou para o Sr. Wace na mesma noite.
E, então, contou uma história complicada. O cristal, disse ele, chegou a sua posse com alguns objetos estranhos em uma venda casada de outro negociante de curiosidades. Sem saber qual seria seu valor, colocou o preço em menos de uma libra. Ele ficou na vitrine por alguns meses, e Cave estava pensando em reduzir o valor, quando fez uma descoberta singular.
Naquela época, sua saúde estava muito debilitada — e deve-se ter em mente que, durante toda essa experiência, sua condição física decaía —, e ele sofria bastante devido à negligência e aos maus-tratos recebidos de sua esposa e enteados. Sua esposa era vaidosa, extravagante, insensível, e tinha um gosto crescente por beber sozinha; sua enteada era malvada e abusada, e seu enteado havia desenvolvido uma aversão violenta a ele, não perdendo chances de demonstrá-la. As exigências de seus negócios o pressionavam, e ao Sr. Wace, parecia que ele não estava livre do ocasional abuso de substâncias. Cave havia iniciado sua vida em uma posição confortável e era um homem de aceitável educação, mas sofria, por semanas a fio, de melancolia e insônia. Com medo de perturbar a família, escapulia silenciosamente do lado de sua esposa quando os pensamentos se tornavam intoleráveis, e passeava pela casa. Por volta das três da manhã de um dia de agosto, o acaso o levou à loja.
O lugarzinho sujo estava incrivelmente escuro, exceto por um ponto onde se percebia um brilho incomum de luz. Ao se aproximar, ele descobriu ser o ovo de cristal, que estava no canto do balcão, próximo à vitrine. Um raio de luz fino atingia uma fenda nas persianas, colidindo com o objeto e preenchendo todo seu interior.
O Sr. Cave percebeu que isso não estava de acordo com as leis da óptica que conhecia desde a juventude. Ele compreendia que a luz poderia ser refratada pelo cristal e focalizada em seu interior, mas essa difusão abalou suas concepções da Física. Aproximou-se do cristal, olhando-o e contornando-o, com um passageiro renascimento da curiosidade científica que havia, na juventude, determinado sua escolha profissional. Ficou surpreso ao descobrir que a luz não era estável, mas se contorcia na substância do ovo, como se aquele objeto fosse uma esfera oca de algum vapor luminoso. Movendo-se para obter pontos de vista diferentes, de repente descobriu que havia se colocado entre o raio de luz e o cristal, e ele continuava luminoso. Atônito, o tirou do lugar e o levou ao canto mais escuro da loja. O cristal permaneceu brilhante por cerca de quatro ou cinco minutos, até que sua luz desapareceu lentamente. Ele o colocou novamente na fina faixa de luz, e sua luminosidade foi quase imediatamente restaurada.
Até tal ponto, ao menos, o Sr. Wace foi capaz de confirmar a notável história do Sr. Cave. Ele mesmo havia repetidamente posto o cristal sob um raio de luz que tinha o diâmetro menor do que um milímetro. E numa perfeita escuridão, como a produzida por um embrulho de veludo, o cristal aparentava estar, sem dúvida, levemente fosforescente. Parecia, contudo, que a luminosidade era de um tipo excepcional, que não era igualmente visível a todos os olhos: O Sr. Harbinger — cujo nome pode ser familiar ao leitor científico, por sua conexão ao Instituto Pasteur — não conseguia enxergar luz alguma. E a própria capacidade do Sr. Wace de apreciar o fenômeno estava fora de comparação à do Sr. Cave. Mesmo para o Sr. Cave, o poder variava consideravelmente. Sua visão era mais vívida durante estados de extrema fraqueza e fadiga.
Desde o princípio, a luz do cristal exercia um curioso fascínio sobre o Sr. Cave. E é representativo da solidão de sua alma o fato de que preferiu não contar sobre suas curiosas observações a ser humano algum. Ele parecia viver em tal atmosfera de rancor mesquinho que mesmo admitir a existência de um prazer seria arriscar a perda dele. Percebeu que, à medida que o amanhecer avançava, aumentava a quantidade de luz difusa, e o cristal se tornava, aparentemente, não luminoso. Durante algum tempo, não conseguiu ver nada, exceto à noite, nos cantos escuros de sua loja.
Então lhe ocorreu usar um pano velho de veludo, que tinha para a exposição de uma coleção de minerais, e ao dobrá-lo e colocá-lo sobre a cabeça e as mãos, era possível ver o movimento luminoso dentro do cristal mesmo durante o dia. Ele foi muito cauteloso, para que não fosse descoberto pela esposa, e praticou essa ocupação apenas à tarde, enquanto ela dormia no andar de cima. Então, um dia, girando o cristal em suas mãos, viu algo. Foi como um lampejo, logo desaparecendo, mas deu-lhe a impressão de, por um momento, ver um campo amplo e estranho. Ao movê-lo novamente, teve a mesma visão.
A partir desse ponto, seria entediante e desnecessário explorar todas as fases da descoberta do Sr. Cave. Basta dizer que o efeito tenha sido esse: o cristal, colocado em um ângulo de 137 graus em relação à direção do raio iluminador, deu uma imagem clara e consistente de um campo peculiar. Não era como um sonho: produzia uma impressão definitiva da realidade e, quanto melhor a luz, mais real e sólida parecia. Era uma imagem em movimento: isso é, certos objetos se moviam nela, mas lentamente e de maneira ordenada, como coisas reais, e, conforme a direção da iluminação e da visão mudava, a imagem mudava também. Deve ter sido, de fato, como olhar através de uma janela ovalada, virando-a para ter diferentes perspectivas.
As declarações do Sr. Cave, o Sr. Wace me garantiu, eram extremamente circunstanciais e totalmente livres de qualquer daquela qualidade emocional que oculta impressões alucinatórias. Mas devemos lembrar que todos os esforços do Sr. Wace em ver com semelhante clareza na fraca opalescência do cristal foram fracassados, por mais que tentasse. A diferença na intensidade das impressões tidas pelos dois homens foi muito grande, e é plausível pensar que, o que era uma visão para o Sr. Cave, fosse apenas uma nebulosidade turva para o Sr. Wace.
A vista, como descrita pelo Sr. Cave, era invariavelmente de uma extensa planície, e ele parecia estar sempre a olhando de uma altura considerável, como se de uma torre ou mastro. A leste e a oeste, a planície era delimitada a uma distância remota por vastos penhascos, que o lembrava de algo que ele já tinha visto em fotos; mas em quais fotos, o Sr. Wace não soube precisar. Estes penhascos passavam para norte e sul — ele podia determinar os pontos cardeais pelas estrelas visíveis à noite —, recuando em uma perspectiva quase ilimitada e desaparecendo nas brumas da distância antes de se encontrarem. Ele estava mais perto do conjunto de penhascos a leste; na sua primeira visão, o sol estava nascendo sobre eles, e escuras sob a luz do sul e pálidas sob sua sombra, apareceram diversas formas que o Sr. Cave considerava serem pássaros. Uma vasta gama de edifícios estava espalhada abaixo dele; parecia estar olhando-os de cima. Quando se aproximavam da borda borrada e refratada da imagem, ficavam indistintos. Havia também árvores de formas curiosas, de um verde musgoso e cinza delicado, ao longo de um canal largo e brilhante. Então, algo grande e de cores brilhantes voou pela imagem. Na primeira vez, o Sr. Cave viu essas imagens apenas em flashes, com suas mãos tremendo, a cabeça agitada, e a visão indo e vindo, nebulosa e indistinta. A princípio, teve a maior dificuldade em encontrar a imagem novamente, uma vez perdida a direção.
Sua próxima visão clara, que ocorreu cerca de uma semana após a primeira — o intervalo não produzindo nada além de vislumbres tentadores e uma experiência minimamente útil —, mostrou-lhe a vista do vale. Ela era diferente, mas ele tinha uma impressão curiosa, que suas observações subsequentes plenamente confirmaram, de que estava olhando o estranho mundo da mesma posição, embora sob ângulos diferentes. A longa fachada do grande edifício, cujo teto ele havia visto antes, agora recuava de perspectiva. Ele reconheceu esse teto. À frente da fachada havia um terraço de largas proporções e extraordinário comprimento e, no meio dele, em certos intervalos, erguiam-se mastros enormes, mas muito graciosos, carregando pequenos objetos brilhantes que refletiam o sol poente. A importância desses pequenos objetos não ocorreu ao Sr. Cave até certo tempo depois, enquanto descrevia a cena para o Sr. Wace. O terraço pendia sobre um bosque de vegetação graciosa e, além dela, havia um amplo gramado, no qual repousavam certas criaturas largas, na forma de besouros, mas incrivelmente maiores. Além desses, havia uma calçada ricamente decorada de pedra rosada; e depois dela, alinhada a densas ervas daninhas vermelhas, e passando pelo vale exatamente paralelo aos penhascos distantes, havia uma vasta e espessa extensão de água cristalina. O céu parecia cheio de revoadas de pássaros, fazendo manobras em curvas imponentes. Do outro lado do rio havia uma multidão de edifícios esplêndidos, ricamente coloridos e reluzentes, com arabescos e facetas metálicas, entre uma floresta de árvores musgosas e liquenosas. Subitamente, algo se agitou repetidas vezes na visão, como o bater de um leque ou de uma asa, e um rosto, ou melhor, a parte superior de um rosto, com olhos muito grandes, veio como se estivesse próximo dele, ou do outro lado do cristal. O Sr. Cave ficou tão surpreso e estupefato com a realidade absoluta desses olhos que afastou sua cabeça do cristal para olhar por trás dele. Ele estava tão absorto naquela visão que ficou bastante surpreso ao se encontrar na escuridão fria de sua lojinha, com seu familiar odor de metil, mofo e decadência. Enquanto piscava, o cristal foi se apagando.
Essas foram as primeiras impressões do Sr. Cave. A história é curiosamente direta e circunstancial. Desde o início, quando o vale brilhou momentaneamente em seus sentidos, sua imaginação foi estranhamente afetada, e então começou a apreciar os detalhes do cenário, sua admiração se tornando uma paixão. Ele seguiu seus negócios de maneira apática e distraída, pensando apenas no momento em que poderia voltar a assistir o cristal. Então, algumas semanas após sua primeira visão do vale, chegaram dois clientes e, com eles, o estresse e a emoção de sua oferta, e a precária fuga do cristal, como já contei.
Agora, enquanto era o segredo do Sr. Cave, isso seguia como uma mera admiração, algo para se esgueirar secretamente e espiar, como uma criança espia um jardim proibido. Mas o Sr. Wace tem como se preza a um jovem investigador científico, uma mente particularmente lúcida e ordenada. Assim que o cristal e a história chegaram a ele, ao ver a fosforescência com seus próprios olhos, havia se assegurado de que havia certa evidência para as declarações do Sr. Cave, e passou a estudar a questão mais sistematicamente. O Sr. Cave estava extremamente ansioso em deleitar seus olhos neste país das maravilhas que via, e todas as noites ia lá das oito e meia às dez e meia, e, às vezes, também durante o dia, na ausência do Sr. Wace. Nas tardes de domingo, também, ele ia. Desde o início, o Sr. Wace fez abundantes anotações, e foi devido ao seu método científico que a relação entre a direção da qual o raio inicial entrou no cristal e a orientação da imagem foi comprovada. Ao cobrir o cristal com uma caixa perfurada apenas com uma pequena abertura e substituir o pano velho por persianas bejes, ele melhorou consideravelmente as condições das observações, de forma que, em pouco tempo, ambos pudessem examinar o vale na direção que desejassem.
Assim, tendo aberto o caminho, podemos dar uma breve descrição desse mundo visionário dentro do cristal. Tudo foi observado pelo Sr. Cave, e o método de trabalho era, invariavelmente, ele assistindo o cristal e reportando o que via, enquanto o Sr. Wace (que havia aprendido o truque de escrever no escuro enquanto estudante), anotava o relato resumidamente. Quando o cristal desvanecia, era posto em sua caixa, no local adequado, e a luz era ligada novamente. O Sr. Wace fazia perguntas e sugeria observações que esclarecessem pontos complicados. Nada, de fato, poderia ter sido menos visionário e direto ao ponto.
A atenção do Sr. Cave havia rapidamente se direcionado às criaturas parecidas com pássaros que ele havia visto tão abundantemente em suas visões anteriores. Suas primeiras impressões foram então corrigidas e ele considerou, por um tempo, que poderiam ser uma espécie diurna de morcegos. Depois pensou, por mais grotesco que fosse, que poderiam ser querubins. Suas cabeças eram redondas e curiosamente humanas, e foram os olhos de um deles que o haviam assustado em sua segunda observação. Eles tinham asas largas e prateadas, sem penas, brilhantes como as escamas de um peixe e com a mesma coloração sutil destes. Essas asas não foram desenvolvidas como as de pássaros ou morcegos, como percebeu o Sr. Wace: eram suportadas por costelas curvas que irradiavam por todo o corpo. A melhor forma de expressar sua aparência parece ser um tipo de asa de borboleta, mas com costelas curvas. O corpo era pequeno, com dois grupos de órgãos preênseis, como tentáculos, logo abaixo da boca. Por incrível que parecesse ao Sr. Wace, eventualmente se tornou elementar presumir que essas eram as criaturas que possuíam os grandes edifícios quase humanos e o magnífico jardim que tornavam o amplo vale tão esplêndido. E o Sr. Cave percebeu que os prédios, entre outras peculiaridades, não tinham portas, mas grandes janelas circulares, que se mantinham abertas, permitindo a saída e entrada das criaturas. Elas pousavam em seus tentáculos, dobrando as asas em uma espessura quase como de uma vara, e pulavam para o interior. Entre elas, contudo, havia uma multidão de criaturas aladas menores, como grandes libélulas, mariposas e besouros voadores, e, através do relvado, gigantescos besouros terrestres de cores brilhantes rastejavam preguiçosamente para lá e para cá. Ademais, nas calçadas e terraços, criaturas de cabeças grandes, como moscas, mas sem asas, eram visíveis, pulando agitadas sobre um emaranhado de tentáculos que pareciam mãos.
Já foram citados os objetos brilhantes que ficavam em mastros no terraço do prédio mais próximo. Um dia o Sr. Cave notou, após observar muito fixamente um desses mastros, que o objeto brilhante de lá era um cristal exatamente como o seu. E um exame ainda mais cuidadoso o convenceu de que cada um dos mastros que eram visíveis, cerca de vinte deles, carregava um objeto similar.
Ocasionalmente, uma das grandes criaturas voadoras se agitava até um desses objetos, dobrando as asas e enrolando seus vários tentáculos em torno do mastro, se mantendo fixamente no cristal por um tempo — às vezes por até quinze minutos. Uma série de observações, feitas por sugestão do Sr. Wace, convenceu os dois observadores de que, no que dizia respeito a este mundo visionário, o cristal no qual eles espiavam ficava realmente no cume do mastro mais ao final do terraço, e que, em pelo menos uma ocasião, um desses habitantes deste outro mundo olhou para o rosto do Sr. Cave enquanto ele fazia essas observações.
Sobre os fatos essenciais dessa história singular, já basta! A menos que consideremos tudo isso como fabricações da imaginação do Sr. Wace, temos que acreditar em uma destas duas opções: ou o cristal do Sr. Cave estava em dois mundos de uma só vez e, enquanto era movido em um destes se mantinha fixo no outro, o que parece absurdo, ou existia alguma relação peculiar de simpatia entre dois cristais, de forma que um estaria visível para o observante do outro, e vice-versa. Até o momento, de fato, não sabemos de que maneira os cristais poderiam estar em contato, mas sabemos o suficiente para entender que a situação não é totalmente impossível. A opção dos cristais em sintonia foi a que ocorreu ao Sr. Wace, e para mim pelo menos parece extremamente plausível.
Mas onde ficava esse outro mundo? Sobre isso, também, a inteligência alerta do Sr. Wace rapidamente lançou luz. Após o pôr do sol, o céu escureceu rapidamente — houve o breve intervalo de um crepúsculo —, e as estrelas brilharam. Elas eram reconhecidamente as mesmas que vemos aqui, dispostas nas mesmas constelações. O Sr. Cave reconheceu a Ursa Maior, as Plêiades, Aldebarã e Sirius. Dessa forma, o mundo deveria estar em algum lugar do nosso sistema solar e, no máximo, a apenas algumas centenas de milhões de quilômetros da Terra. Seguindo essa dica, o Sr. Wace percebeu que o céu da meia-noite era de um azul ainda mais escuro do que o nosso no inverno, e que o sol parecia um pouco menor. E havia duas pequenas luas! “Como a nossa, mas menores, e com marcas bem diferentes”. Uma delas se deslocava tão rapidamente que esse movimento era claramente visível quando se prestava atenção. Essas luas nunca estavam altas no céu, desapareciam assim que nasciam; isto é, a cada revolução elas eram eclipsadas, por estarem muito próximas ao planeta. E tudo isso corresponde perfeitamente, apesar do Sr. Cave não saber, às condições previstas em Marte.
De fato, parece uma conclusão extremamente plausível que, olhando para este cristal, o Sr. Cave realmente viu o planeta Marte e seus habitantes. E se esse for o caso, então a estrela que brilhava tão intensamente à noite era, nada mais, nada menos, do que nossa própria Terra.
Por um tempo, os marcianos — se eram mesmo marcianos — pareciam não saber das inspeções do Sr. Cave. Uma vez ou outra algum espiava e saía rapidamente para outro mastro, como se a visão fosse insatisfatória. Durante esse período, o Sr. Cave conseguia assistir o proceder dessas criaturas aladas sem ser perturbado por suas atenções e, embora seu relatório seja vago e fragmentado, é, de qualquer forma, muito sugestivo. Imagine qual seria a impressão da humanidade que um observador marciano teria caso, após um difícil processo de preparação e com olhos fatigados, pudesse espiar Londres por cima da igreja de St. Martin por períodos de, no máximo, quatro minutos por vez. O Sr. Cave não conseguia determinar se os marcianos alados eram os mesmos que pulavam pelas calçadas e terraços, e se estes últimos podiam colocar asas à vontade. Por várias vezes ele viu bípedes desajeitados, vagamente similares a símios, brancos e parcialmente translúcidos, se alimentando entre árvores musgosas. Uma vez, alguns desses fugiram de um dos marcianos saltitantes, que conseguiu pegar um deles com seus tentáculos, e então a imagem desapareceu repentinamente, deixando o Sr. Cave atormentado no escuro. Outra vez, uma coisa vasta, que ele primeiro pensou ser algum inseto gigante, apareceu avançando ao longo da calçada ao lado do canal com extraordinária agilidade. À medida que se aproximava, o Sr. Cave percebeu que era um mecanismo de metal brilhante, de extraordinária complexidade. E então, quando olhou novamente, havia desaparecido.
Após um tempo, o Sr. Wace ambicionou atrair a atenção dos marcianos. No encontro seguinte com os estranhos olhares, o Sr. Cave gritou e saiu correndo, e eles imediatamente ligaram as luzes e começaram a gesticular, sugerindo uma sinalização. Mas quando o Sr. Cave examinou o cristal novamente, o marciano havia partido.
Dessa forma, as observações seguiram até o início de novembro, quando o Sr. Cave, sentindo que as suspeitas de sua família sobre o cristal havia desaparecido, começou a trazê-lo para casa, para que, conforme a ocasião surgisse, ele pudesse se confortar com o que estava, rapidamente, se tornando a experiência mais significativa de toda sua existência.
Em dezembro, os serviços do Sr. Wace se tornaram exigentes e as sessões foram suspensas por uma semana, e então por dez, onze dias — ele não tem certeza de quanto tempo se passou —, em que não teve sinal de Cave. Ele então ficou ansioso por retornar às investigações e, como o estresse de seus trabalhos sazonais diminuiu, foi atrás do Sr. Cave. Na esquina, notou um pano preto na vitrine da loja de animais, e então outro na do sapateiro. A loja do Sr. Cave estava fechada.
Ele bateu e a porta foi aberta pelo enteado, vestido todo de preto. Ele imediatamente chamou a Sra. Cave, que estava, como o Sr. Wace não pôde deixar de notar, vestida com uma ampla vestimenta típica de uma viúva, em um modelo de baixa qualidade, mas imponente. Sem grandes surpresas, o Sr. Wace soube que Cave estava morto e já enterrado. Ela estava chorando, com a voz um pouco rouca. Havia acabado de voltar do cemitério. Sua mente parecia ocupada com suas próprias ideias e os honrosos detalhes fúnebres, mas o Sr. Wace conseguiu finalmente descobrir as particularidades da morte de Cave. Ele havia sido encontrado morto em sua loja no início da manhã do dia seguinte à sua última visita ao Sr. Wace, com o cristal preso em suas mãos geladas. Seu rosto era sorridente, disse a Sra. Cave, e o tecido de veludo dos minerais estava no chão aos seus pés. Ele devia estar morto há cinco ou seis horas quando foi encontrado.
Isso foi um grande choque a Wace, que começou a se censurar amargamente por negligenciar os sintomas evidentes da debilitada saúde do velho. Mas seu pensamento mais urgente era o cristal. Ele buscou abordar o tópico com cautela, pois conhecia as peculiaridades da Sra. Cave. Ficou estupefato ao descobrir que havia sido vendido.
O primeiro impulso dela, assim que o corpo do marido foi levado para o andar de cima, foi escrever para o clérigo louco que havia oferecido cinco libras pelo cristal, o informando de seu restabelecimento. Mas, após uma busca incessante, acompanhada pela filha, convenceram-se de que haviam perdido o endereço. Como não dispunham dos recursos necessários para enterrar Cave da forma elaborada que a dignidade de um habitante de seu bairro exigia, elas apelaram a um comerciante amigável de outro bairro. Ele gentilmente assumiu uma parte do estoque por um preço justo. O valor foi definido por ele mesmo, e o ovo de cristal estava incluído em um de seus lotes. O Sr. Wace, após prestar as condolências adequadas, talvez de forma meio descuidada, correu para a loja do outro comerciante. Mas lá descobriu que o ovo de cristal já havia sido vendido a um homem negro e alto, vestido de cinza. É nesse ponto que os fatos dessa história curiosa, e para mim pelo menos muito sugestiva, chegam a um abrupto final. O comerciante não sabia dizer quem era o homem de cinza, nem o havia observado com atenção suficiente para descrevê-lo minuciosamente. Ele nem sabia para que lado a pessoa foi depois de deixar a loja. Por um tempo o Sr. Wace permaneceu lá, testando a paciência do negociante com perguntas sem esperança, exalando sua própria frustração. E, finalmente, percebendo que tudo havia desaparecido de suas mãos, ele voltou a seus aposentos, um pouco surpreso de encontrar suas anotações ainda tangíveis e visíveis sob sua mesa desarrumada.
Seu aborrecimento e decepção eram, naturalmente, enormes. Ele fez uma segunda ligação, igualmente ineficaz, ao comerciante, e recorreu a anúncios em jornais que costumam ser lidos por colecionadores de quinquilharias. Escreveu também cartas ao Daily Chronicle e à Nature, mas ambos periódicos, suspeitando de uma farsa, pediram que reconsiderasse sua ação antes de serem impressos, e ele foi aconselhado de que tão estranha história, infelizmente tão carente de evidências comprobatórias, poderia manchar sua reputação de pesquisador. Além disso, as demandas de seu trabalho de fato eram urgentes. Assim, depois de mais ou menos um mês, exceto pelo lembrete ocasional a alguns revendedores, ele relutantemente abandonou a busca pelo ovo de cristal e, até hoje, seu destino permanece desconhecido. Ele me conta, contudo, eu consigo acreditar, que por vezes tem surtos de entusiasmo nos quais abandona suas ocupações mais urgentes e retoma a busca.
Se permanecerá ou não perdido para sempre, e quais são seu material e sua origem, são questões igualmente especulativas até o momento. Se o comprador atual for um colecionador, seria de se esperar que as investigações do Sr. Wace o alcançassem através dos negociantes. Ele conseguiu encontrar o clérigo e o oriental do Sr. Cave — ninguém menos que o reverendo James Parker e o jovem príncipe de Bosso-Kuni, em Java. Eu sou grato a eles por certos detalhes. A motivação do príncipe era simplesmente curiosidade — e extravagância. Estava tão ávido pelo negócio porque Cave estava tão estranhamente relutante em vendê-lo. É possível que a atual compra fosse apenas uma casualidade, não sendo por um colecionador, e que o ovo de cristal possa, para todos os fins, estar nesse momento a uma quadra de mim, decorando uma sala ou servindo como peso de papel — com sua incrível função desconhecida. De fato, é em parte por essa possibilidade que eu desenvolvi essa narrativa de forma que possa ser lida por um comum leitor de ficção.
Minhas próprias opiniões sobre o fato são praticamente idênticas às do Sr. Wace. Acredito que o cristal estava em um mastro de Marte e que o ovo de cristal do Sr. Cave, de alguma forma até o momento inexplicável, era conectado a ele. E ambos acreditamos que o cristal da Terra deve ter sido — possivelmente em algum passado remoto — enviado daquele planeta, de forma a dar aos marcianos uma visão das nossas ações. Possivelmente os outros cristais nos mastros também estejam no nosso globo. Nenhuma teoria sobre alucinações explica suficientemente os fatos.

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O CASO DE LADY SANNOX https://comboxd.com/o-caso-de-lady-sannox/ Mon, 29 May 2023 19:57:00 +0000 https://comboxd.com/o-caso-de-lady-sannox/ O CASO DE LADY SANNOX Arthur Conan Doyle (1859 – 1930) Todos conheciam as relações do ilustre médico Douglas Stone e de Lady Marion Sannox, figura brilhantíssima dos círculos sociais. Por isso mesmo, não faltou quem tecesse comentários quando se divulgou a notícia de que Lady Sannox havia-se recolhido a um convento e de que […]

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O CASO DE LADY SANNOX

Arthur Conan Doyle
(1859 – 1930)

Todos conheciam as relações do ilustre médico Douglas Stone e de Lady Marion Sannox, figura brilhantíssima dos círculos sociais. Por isso mesmo, não faltou quem tecesse comentários quando se divulgou a notícia de que Lady Sannox havia-se recolhido a um convento e de que o famoso cirurgião Douglas Stone, o homem dos nervos de ferro, fora encontrado pelos criados, certa manhã, sentado em frente ao leito, rindo como um demente, abraçado a um almofadão… O seu grande talento se diluíra nas trevas da loucura.
Douglas Stone era notável pelo sangue frio, precisão e equilíbrio com que realizava as mais difíceis operações. Entre os grandes cirurgiões de Londres, ele era dos que conseguiam maiores rendas em virtude de sua numerosíssima e distinta clientela. Sempre inclinado a divertir-se, sem tomar nada a sério, prendeu-se subitamente aos encantos de Lady Sannox. Entretanto, ela, se bem que para ele fosse a única, não o tinha, nem podia ter, na mesma conta.
Lorde Sannox era um cavalheiro silencioso, reservado que, embora contasse apenas trinta e seis anos, parecia ter cinquenta. Afeiçoado ao cultivo das flores, amava a quietude do lar. Outrora a sua paixão favorita fora o teatro e até mesmo o explorara, como se explora um negócio qualquer. Foi então que conheceu a senhorita Marion Dawson, com quem contraiu matrimônio. Depois, perdeu o entusiasmo pelo teatro e passou a se dedicar apenas às orquídeas e aos crisântemos.
Conheceria ele a vida frívola de sua esposa? Sofreria com resignação ou ignorava o que se passava? Todos faziam essa pergunta. E já não cabia dúvida: ele sabia até que ponto chegava o flerte de Lady Sannox e Douglas Stone. Os rumores da maledicência se espalhavam. As sociedades científicas já pretendiam riscar o nome de Douglas da lista de seus sócios.
O idílio, entretanto, prosseguia.
Uma noite, borrascosa e úmida, Douglas Stone esperava, nos seus aposentos, que chegasse a hora do seu encontro com Lady Sannox, combinado desde a véspera. Eram oito e meia e já se dispunha a pedir o seu coche, quando ouviu soar a campainha e ouviu, instantes depois, passos no corredor. O criado logo apareceu e anunciou:
— Um cavalheiro deseja falar com o doutor. Parece-me que vem chamá-lo para atender a um doente… Aqui tem o seu cartão.
Stone leu no quadrângulo de cartolina: “Hamil Alismyrna”. Disse ao criado:
— Tenho que pedir-lhe que me dispense. Tenho um compromisso… Faça-o entrar, Jim. Preciso falar-lhe.
O criado deu entrada a um homem baixo, raquítico, ligeiramente corcunda e cujo semblante contraído revelava acentuada miopia. A tez era escura, a barba e o bigode inteiramente negros e trazia nas mãos um turbante de musselina, com listras negras e roxas.
— Boa noite, cavalheiro — disse-lhe Douglas. — Suponho que o senhor fala inglês, não é mesmo?
— Sim, ainda que com certa dificuldade. Sou da Ásia Menor…
— Deseja que eu o acompanhe a alguma parte?
— Sim, doutor. Desejo que venha ver minha esposa.
— Mas esta hora é demasiado tarde.
— Porém, o caso é de urgência — replicou o turco. — Aqui tem o doutor cem libras pelos seus serviços e prometo que não durará uma hora…
Douglas Stone mirou o punhado de moedas reluzentes que o estrangeiro lhe estendia e, em seguida, o relógio. Verificou que, com a demora de uma hora apenas, o seu encontro não ficaria prejudicado. Assim, resolveu não perder tão boa ocasião.
— De que se trata? — perguntou.
— De um caso muito triste. Já ouviu o doutor falar nas adagas dos almóadas?
— Não.
— Pois bem, são umas adagas muito antigas, de uma forma particular, com uma empunhadura parecida com as que vocês chamam de estribo. Sou comerciante de antiguidades e vim a Londres a negócios, devendo regressar a Esmirna na semana vindoura. Entre as curiosidades que eu trouxe, há uma daquelas armas…
— Permita-me recordar-lhe que eu tenho um compromisso e que é necessário dispensar os detalhes e limitar-se ao fato, que é apenas o que me interessa…
— É de suma importância o que estou relatando. Acontece que minha esposa desmaiou no quarto em que tenho as mercadorias e, caindo, feriu-se no lábio com essa maldita adaga.
— Compreendo. Quer o senhor que eu faça a sutura da ferida…
— Não. O caso é mais grave. A adaga está envenenada.
— Envenenada?
— Sim. E não se sabe se existe algum contraveneno. As pessoas feridas dormem, em profundo sono, durante trinta horas… E depois, a morte…
— Mas, se não há cura, por que razão quer pagar-me tanto dinheiro?
— Com remédios nada se conseguirá. Mas meu pai costumava dizer: “Se a ferida foi no dedo, é necessário cortá-lo”. Teremos de usar o bisturi. O veneno somente depois de muitas horas se espalha no organismo. Nas primeiras, fica concentrado no lugar da ferida. Imagine, porém, o lugar em que se feriu minha esposa… No lábio. É terrível!
— Mas, se é a única salvação, é melhor perder o lábio do que a vida — replicou Stone, que, tomando a sua caixa cirúrgica, se pôs a caminho com o turco, que deixara um automóvel à porta.
Quando chegaram à casa do mercador, uma velha, que trazia uma lâmpada na mão, veio abrir a porta.
— Como está? — perguntou com angústia o comerciante. —Já falou?
— Não, senhor — respondeu a velha. — O seu sono continua tão profundo como quando a deixou…
E ambos seguiram a velha, entrando em um aposento de aspecto oriental, cheio de figuras grotescas, de utensílios primitivos, de armas exóticas, iluminado por uma débil lâmpada de azeite. Deitada sobre um sofá, estava uma mulher, com o rosto coberto pelo yashmak, o véu que as mulheres turcas costumam usar. A parte inferior do rosto estava descoberta e o médico pôde ver, no lábio inferior, uma pequena — mas profunda — incisão.
— Peço permissão para que ela conserve o yashmak — disse o turco —, pois os nossos costumes religiosos impõem às nossas mulheres esse dever.
O médico nem sequer respondeu. Para ele, ali não havia uma mulher, mas apenas um caso médico. Auscultou-a e, como não notasse sintoma algum, declarou que achava que poderia adiar a operação. O turco, porém, novamente o advertiu de que o veneno era mortal e que só a operação imediata poderia salvá-la.
— O senhor assegura, por experiência própria, que é indispensável a operação? — indagou Stone, levado pelo escrúpulo profissional.
— Juro por tudo quanto há de mais sagrado!
— O rosto dela, todavia, vai ficar horrivelmente desfigurado.
— Estou certo de que a sua boca já não inspirará o desejo de um beijo… Mas é necessário… É imprescindível…
Ao ouvir esse brutal comentário, Douglas Stone voltou-se bruscamente. Não era ocasião para entrar em discussões. Apanhou os seus instrumentos cirúrgicos e aproximou a lâmpada. Sob o véu, apenas se distinguia o brilho amortecido dos olhos da narcotizada. O médico quis fazer uso do clorofórmio. O turco, porém, se opôs, declarando que o veneno da adaga por si só já produzia uma espécie de quase letargia. Douglas tomou o bisturi e, com três rápidos cortes, seccionou o lábio inferior da enferma.
A mulher, soltando um grito de terror, ergueu-se do sofá. O véu caiu. E, apesar do sangue que lhe banhava o rosto, dolorosamente mutilado, Stone verificou que conhecia intimamente aquela mulher.
Olhou para o homem que o levara àquela casa sombria. Esse, rapidamente, arrancou a barba e o bigode. Em vez do turco de Esmirna, era Lorde Sannox quem diante dele aparecia. Douglas Stone quedara mudo e imóvel, pela surpresa assombrosa. A mulher, soluçando, deixou pender a cabeça maravilhosamente loura. E Lorde Sannox sorria…
Foi ele quem primeiro falou:
— A operação era, na realidade, indispensável a Marion. Não física, mas moralmente. O doutor não concorda comigo?
Douglas Stone não respondeu. Não ouvia nada.
— Há tempos eu queria dar-lhes um pequeno castigo — prosseguiu Lorde Sannox. — Saiu tudo às mil maravilhas… Só lastimo que o doutor não tivesse a perspicácia de verificar que a ferida não foi praticada com uma adaga, mas com o meu anel sinete…
Douglas Stone, nesse momento, desatou a rir, a soltar enormes gargalhadas. Lorde Sannox imediatamente se pôs sério e abandonou o quarto, sem fazer ruído.
— Espere aqui até que a senhora desperte — disse o falso turco à velha que lhe abriu a porta.
E, chegando à rua, ordenou ao chofer:
— John, leve primeiro o doutor à sua casa. Creio que você terá de arrastá-lo pela escada abaixo. E diga aos seus criados que o “caso” o excitou um pouco…
— Está bem, senhor…
— E depois levará Lady Sannox para casa.
— E o senhor, Lorde Sannox?
— Ah! O meu endereço passará a ser o Hotel di Roma, em Veneza… Mandem para lá a minha correspondência.
E, ajustando o turbante à cabeça, recomendou:

— E diga ao Stevens que não se esqueça de mandar orquídeas à exposição de floricultura…


Fonte: Texto traduzido e condensado de “The case of Lady Sannox”, de Arthur Conan Doyle, por autor desconhecido do séc. XX. Fonte: “A Noite Ilustrada”, edição de 8 de julho de 1931.

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O VAMPIRO https://comboxd.com/o-vampiro/ Mon, 29 May 2023 17:19:00 +0000 https://comboxd.com/o-vampiro/ O VAMPIRO Anônimo do século XIX Há duzentos anos, numa aldeia da Boêmia, existia uma bela jovem pertencente a uma família de um lavrador. De nome Maria, tinha um bom coração. Amava os pais, aos quais, desde a tenra infância, tratava de ser útil, encarregando-se voluntariamente de várias atividades domésticas. Por este motivo, também era […]

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O VAMPIRO

Anônimo do século XIX

Há duzentos anos, numa aldeia da Boêmia, existia uma bela jovem pertencente a uma família de um lavrador. De nome Maria, tinha um bom coração. Amava os pais, aos quais, desde a tenra infância, tratava de ser útil, encarregando-se voluntariamente de várias atividades domésticas. Por este motivo, também era estimada da sua família e da gente do povoado. As mães a citavam como um exemplo de amor filial, e de um procedimento digno de toda a consideração.

Maria tinha 18 anos quando chegou à sua aldeia um estrangeiro jovem e de boa presença, parecendo ser de alguma cidade, em razão do seu vestuário; pois, ainda que simples, era elegante, e as suas maneiras afáveis e corteses diferiam muito das que se usavam na aldeia. Maria, sagaz como era, não deixou de notar esta diferença e, desde esse momento, uma sorte funesta pareceu adejar sobre o seu destino.

O estrangeiro estabeleceu sua morada junto à casa dos pais de Maria, e, desta maneira, muitas vezes a encontrava. Não deixava de olhar para ela de uma maneira singular e tão estranha que fez cismar a pobre moça. Maria nunca tinha sentido, da parte dos moços da aldeia, quando para ela olhavam, a influência ou atração que sobre ela exercia o jovem estrangeiro, o que lhe deu, depois, desejos de chorar e, algumas vezes, de rir, sem saber por quê, sofrendo fortes palpitações do coração.

Passado algum, tempo, Hantz (era este o nome do estrangeiro) se animou a falar com a linda jovem e, desde então, ela não podia dormir. E se, devido ao cansaço, fechava os olhos, terríveis sonhos vinham agitar-lhe o sono. Era sempre o estrangeiro quem neles figurava, mas de uma maneira bem diferente: às vezes aparecia-lhe como um anjo do céu enviado para lhe oferecer a felicidade; outras vezes, como um demônio do inferno, que subia à terra expressamente para causar-lhe a perdição e levá-la consigo para as penas eternas. Então, a infeliz Maria lutava com esta horrível visão. Acordava sobressaltada, pálida e inundada de suor glacial; depois, era atacada de febre que lentamente lhe fazia desbotar as faces e os lábios, seguindo-se profunda tristeza que a consumia, ao mesmo tempo que angústias mortais lhe devoravam o coração. Enfim, Maria, pálida, magra e triste, já não parecia a mesma. Pobre moça!

Por muito tempo, ela lutou contra o seu destino. Encomendou novenas, rezou, invocou os santos, jejuou semanas inteiras. Nada disto, porém, lhe valeu, e a infeliz julgou que o céu a tinha abandonado e caiu em desespero.

Certa tarde, ao cair do sol, ela vinha sozinha da vila próxima. Andava depressa para que a escuridão a não apanhasse no caminho, visto que uma nesga de lua já nascia por sobre os morros distantes. Porém, lançando a vista para um pinheiral próximo do caminho, pareceu-lhe que um enorme fantasma lhe seguia os passos. Vislumbrou um misterioso espectro, que olhava para ela com olhos em chamas. Cheia de pavor, pôs-se a examinar, trêmula, aquela entidade fantástica. Procurando distinguir na escuridão aqueles contornos confusos, conseguiu ver bem distintamente que tinha dois chifres na cabeça, a língua vermelha e comprida, garras nas pontas dos dedos e os pés fendidos. Assustada, continuou a andar aceleradamente, conservando na imaginação a desmedida e horrenda figura que lhe aparecera.

De repente, ouviu uma voz suave que a chamava, e voltando-se, viu Hantz junto a si.

Ele disse, então:

—Maria, não te assustes! Não sabes que eu te amo, e que só desejo te ver feliz?

Neste momento, a lua cheia flutuava sobre o cume da montanha vizinha e, com a sua luz, a infeliz Maria já não via o horrendo fantasma que lhe parecera ter língua vermelha, grandes orelhas e garras.

A sorte já pesava sobre o seu destino. Perdeu o juízo e respondeu:

— Hantz, eu não estou com medo, e eu creio….

Hesitou, e nada mais pôde dizer.

Hantz, contudo, percebeu a sua perturbação e disse-lhe:

— Maria, eu bem sei que tu me amas, e deves ficar certa que, pelo céu ou pelo inferno, seremos felizes.

A estas palavras, a jovem estremeceu, e continuou a caminhar para sua casa acompanhada pelo estrangeiro, que. três dias depois, a pediu em casamento.

Seus pais, sabendo que Maria estava disposta a casar-se com aquele moço, cujo comportamento era exemplar, consentiram, e dali a 25 dias, a pedido do noivo, foi o casamento celebrado exatamente quando era lua cheia.

Maria, depois do casamento, parecia muito satisfeita. Todavia, ainda vivia incomodada, porque começou a ter sonhos horrorosos pela preocupação que tinha, motivada pela blasfêmia de Hantz, e por ele ter retardado o seu casamento até o dia da lua cheia. Isto lhe causava preocupações.

De repente, Hantz ficou triste, uma palidez mortal lhe cobriu o rosto e perdeu inteiramente as forças. Não quis consultar um médico, e quando a pobre moça lhe perguntava, chorando, qual era a sua doença, a resposta era um sorriso. Enfim, depois de constante padecimento, antes da lua cheia, Hantz morreu.

A sua morte foi muito sentida pelos parentes de Maria que, pela sua parte, ficou inconsolável por espaço de três dias, findos os quais, com admiração de todos, ela pareceu quase aliviada das suas penas.

Tinham já passado três ou quatro meses sem que Maria desse sinal algum de padecimento. Empregava-se no serviço da casa, seguindo a sua marcha antiga, exceto, porém, em ir à missa e em rezar, o que seus pais muito estranhavam. Nunca lhe ouviram falar em Hantz, e isto provava que ela já o havia esquecido. Mas, quando mal esperavam, ela começou a emagrecer e a tornar-se pálida a ponto de a considerarem tísica, visto que não apresentava sintoma de outra moléstia.

Sua mãe observou, ou pelo menos assim lhe parecia, que ela, ao levantar-se da cama, estava mais débil e mais abatida do que de tarde, principalmente no tempo da lua cheia. Incitada pelos cuidados de mãe, fez um pequeno buraco na porta do quarto de Maria, a fim de se convencer pelos seus olhos e ouvidos se a sua filha querida rezava de noite, ou, enfim, qual era o motivo do seu padecimento. Durante as primeiras noites em que espiou pelo buraco da porta, não observou coisa alguma extraordinária, e já as suas desconfianças se haviam desvanecido quando, uma noite…

Seriam onze horas e três quartos. Maria já se tinha deitado e a lua, saindo de uma nuvem, lançava os seus argênteos raios que, passando pela janela aberta, iluminavam o quarto. Então a mãe ouviu um gemido, depois uma voz débil, que dizia, sem dúvida sonhando:

— Oh, Hantz! Oh, meu amigo! Eu sou a tua esposa querida. Eu te amo…. Oh, sim! Eu te amo…. E, não obstante, me parece que as tuas caricias me fazem gelar o coração e me matam….

Depois, ela deu um doloroso e longo suspiro, e a mãe nada mais ouviu. Então olhou pelo buraco da porta e viu….

Qual não foi o terror que invadiu a sua alma! Esfregou os olhos, beliscou os braços para se capacitar de que não sonhava, e viu…. um vampiro!

Ela logo o reconheceu: era Hantz. Não aquele Hantz pálido, magro e descarnado pela enfermidade como estava no dia em que morreu, mas um Hantz robusto, fresco e vermelho como o tinha visto no tempo da sua perfeita saúde. Aquele espectro era Hantz, morto e enterrado no cemitério da aldeia havia mais de três meses….

Ela viu o cadáver redivivo em pé, junto à cama da sua filha e debruçado sobre ela, aplicando-lhe os lábios ao pescoço. Viu uma gota de sangue sobre o pescoço de Maria, que corria dos lábios trêmulos do espectro.

A pobre mulher, vendo isto, deu um grito espantoso e caiu desmaiada. Ao estrondo da queda, o pai de Maria, e toda a gente da casa acudiram. Levantaram a infeliz mãe, arrombarão a porta do quarto e nele só acharão o inanimado corpo de Maria!

Chamou-se o médico imediatamente. Este, porém, depois de fazer o necessário exame, declarou que não havia meio algum de lhe restituir a vida, porque não tinha uma só gota de sangue no corpo. E, por duas nódoas roxas que se avistavam no pescoço, iguais às que deixam as sanguessugas, conheceu-se a verdade do médico.

A mãe da infeliz Maria recuperou a consciência, mas, como contava o que tinha visto pelo buraco da porta, todos julgavam que estava louca.

Muitos dias depois deste acontecimento, a linda Joanna, vizinha e amiga dos parentes de Maria, foi atacada da melancolia em tudo igual à de que padecia a sua camarada. Tratou-se de espiar da mesma maneira por um buraco que se fez na porta, e viu-se o fantasma de Hantz a chupar-lhe, também, o sangue das artérias do pescoço, como asseverara a mãe de Maria.

O padre foi imediatamente chamado, e Joanna lhe confessou que, havia algum tempo, o espectro a visitava todas as noites, principalmente pela lua cheia, mas que nenhum mal lhe fazia. Contudo, como no pescoço já se divisassem duas nódoas roxas, o padre lhe rezou os exorcismos. Mas de nada valerão essas orações da Igreja: Joanna morreu poucos dias depois, sem lhe ficar no corpo uma só gota de sangue.

Igual fim tiveram mais cinco moças do vilarejo. Então o povo, amotinando-se, tomou o expediente de desenterrar o corpo de Hantz, a fim de ver se poderia cessar tão horroroso mal. Todavia, como a exumação realizou-se durante a lua cheia, achou-se a sepultura vazia.

Um doutor tanto pensou, tantos tratos deu ao juízo, que descobriu que os vampiros somente tinham o poder infernal de sair das suas covas durante a lua cheia. Conseguintemente, esperaram pelo minguante, cuja chegada se esperou com impaciência. E quando a lua apresentou uma diminuta parte do seu disco, correrão então a abrir a sepultura, e nele acharão o tal facínora que sossegadamente dormia com o sorriso nos lábios e com todas as aparências da melhor saúde. Atravessaram-lhe o ventre com uma estaca com tão boa vontade que nunca mais se levantou. Foi queimado e as cinzas lançadas ao vento. Este exemplo intimidou, sem dúvida, os outros vampiros daquelas terras, porque nunca mais se ouviu falar em semelhante flagelo.

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O VAMPIRO NO CONVENTO https://comboxd.com/o-vampiro-no-convento/ Tue, 09 May 2023 16:41:00 +0000 https://comboxd.com/o-vampiro-no-convento/ O VAMPIRO NO CONVENTO (Carta a uma senhora polonesa há pouco falecida) Louis-Antoine De Caraccioli (1719 – 1803) Tradução: Paulo Soriano Ilustre Dama: Porque agora o que respeita aos mortos me interessa mais do que o concernente aos vivos, reli há pouco o que tu me escreveste, certa feita, sobre os vampiros, esses pretensos cadáveres […]

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O VAMPIRO NO CONVENTO

(Carta a uma senhora polonesa há pouco falecida)
Louis-Antoine De Caraccioli
(1719 – 1803)
Tradução: Paulo Soriano


Ilustre Dama:

Porque agora o que respeita aos mortos me interessa mais do que o concernente aos vivos, reli há pouco o que tu me escreveste, certa feita, sobre os vampiros, esses pretensos cadáveres deambulantes, que, supõe-se, existiram na Hungria e na Polônia. As tuas reflexões sobre eles são maravilhosas, realmente dignas de ti. Tu te lamentavas, com razão, dos erros decorrentes da ignorância e da superstição, e te entristecias com Dom Calmet, que dera crédito à quimera dos vampiros.


Que ilusão é esta, a de crer, em alguma ocasião, que corpos separados das almas possam deixar os seus túmulos para, vagueando, sugar o sangue, aqui e acolá, dos vivos! Ah, como deixar de observar que, como disseste muito bem, “essa viva cor e essas carnes firmes, que se encontram nos cadáveres de supostos vampiros depois da exumação, não tinham outra causa senão as características da própria terra, adequadas à realização de tais prodígios”? E se esta observação foi depois confirmada pelas experiências realizadas na Hungria, que serviram para desiludir as gentes, como se admitir que ainda hoje haja pessoas escrupulosamente fiéis a essas ridículas superstições?

Nada me convenceu tanto da fraqueza do espírito humano quanto a obstinação de um religioso polonês, que tu também conheceste, ao sustentar ter visto com os próprios olhos um vampiro, e haver sido testemunha dos atrozes feitos que aquele cometeu num convento.
“Eu era superior em nosso convento de Lublin”, contava-me, “quando morreu um de nossos padres. Mal havia sido exposto o seu cadáver na igreja, onde deveria ficar até o dia seguinte, vieram avisar-me que o seu rosto havia enrubescido surpreendentemente e que o viram passear pelo dormitório. Corri ao seu ataúde e efetivamente reconheci que ele estava vermelho como fogo; portanto, ordenei a ele que, em razão da santa obediência, não viesse a perturbar o repouso de ninguém, e o preveni de que, se ousasse um mínimo movimento, faria com que lhe cortassem a cabeça e lhe transpassassem com estaca de madeira o coração. (Este é o modo usado na verificação dos que, acreditava-se, eram vampiros; segredo infalível para por fim às suas trágicas façanhas.)

Mas, algumas horas mais tarde recomeçou, o alvoroço. Então, fui à igreja, acompanhado por toda a comunidade, e disse ao morto, que mantinha sempre a face corada:
– Assim o quiseste, padre. Portanto, não me culpes. E para castigar-te por sedição, apelando ao direito que me é conferido como teu superior, ordeno que te cortem a cabeça e que te traspassem o coração!

E tal foi imediatamente cumprido. O vampiro levantou os pés várias vezes e exalou um forte grito. Pensei, a partir de então, que estaríamos tranquilos. Mas uma gritaria espantosa alarmou todo o mosteiro durante a noite, durando até o dia seguinte, quando acorri mais uma vez ao cadáver para informar-lhe que, porquanto a amputação não servira para fazê-lo recobrar a razão, seria ele queimado à tarde, no centro do pátio. Preparou-se a fogueira e o corpo, lançado às chamas, em breve reduziu-se a cinzas, mas isto suscitou uma tão terrível tempestade que a casa parecia que iria desabar.”

Sim, foi exatamente isto que eu escutei, em viva voz, de um religioso que foi destituído pelo bispo de Cracóvia justamente por ter feito tal demonstração em público. Mas isto não o impediu de continuar acreditando, e de narrar, aos que estivessem a sua volta, uma história tão absurda: na verdade, o fanatismo não raciocina. Aquele fato esteve nos lábios de todos na Polônia, tal como um outro acontecimento, ocorrido em Lemberg, que dizia respeito a um estudante declarado vampiro e como tal castigado.
Mas, o que importam as palavras, agora que tu estás na fonte da verdade? Ai, perdoa-me, pois sou uma alma extraviada em dor, e que a tudo se aferra, sem saber por quê! Assim o faz o viajante, que se perdeu no caminho: vai e vem, e procura as vagas pegadas que mais e mais lhe deveriam…

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O VAMPIRO ARNALD PAUL https://comboxd.com/o-vampiro-arnald-paul/ Mon, 27 Mar 2023 03:00:00 +0000 https://comboxd.com/o-vampiro-arnald-paul/ O VAMPIRO ARNALD PAUL Augustin Calmet (1672 – 1757) Tradução de Paulo Soriano Há cerca de cinco anos, um certo heiduque[1], que vivia em Medreiga, chamado Arnald Paul, foi esmagado, numa queda, por uma carroça de feno. Trinta dias após sua morte, quatro pessoas morreram repentinamente, e da mesma maneira que, segundo a tradição do […]

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O VAMPIRO ARNALD PAUL

Augustin Calmet
(1672 – 1757)
Tradução de Paulo Soriano

Há cerca de cinco anos, um certo heiduque[1], que vivia em Medreiga, chamado Arnald Paul, foi esmagado, numa queda, por uma carroça de feno.

Trinta dias após sua morte, quatro pessoas morreram repentinamente, e da mesma maneira que, segundo a tradição do país, falecem os que são atacados por vampiros.

Lembraram, então, que Arnald Paul costumava contar que, nos arredores de Caslova, perto da fronteira da Sérvia Otomana, havia sido atormentado por um vampiro turco. Acreditavam as pessoas que aqueles que eram vampiros passivos durante sua vida tornavam-se vampiros ativos após a morte; ou seja: os que foram sugados em vida, passavam a sugar o sangue dos vivos, quando mortos. Arnald Paul acreditava que houvera encontrado uma maneira de curar-se comendo a terra do sepulcro do vampiro e esfregando-se com seu sangue. Mas esta precaução que não o impediu de tornar-se vampiro após sua morte, já que foi exumado quarenta dias após seu sepultamento, e todos os indícios de um arquivampiro foram encontradas em seu corpo. O seu cadáver estava corado; seus cabelos, suas unhas e sua barba estavam crescidos e as suas veias repletas de um sangue fluido, que escorria de todas as partes de seu corpo e tisnava a mortalha na qual estava envolvido.

O hadnagi, ou o magistrado do lugar, na presença de quem a exumação ocorreu, e que era especialista em vampirismo, trazia, de acordo com o costume, uma estaca muito afiada, que foi cravada no coração do falecido Arnald Paul. A estaca traspassou completamente o seu corpo, o que — dizem — o fez soltar um grito terrível, como se vivo estivesse.

Depois disto, a sua cabeça foi cortada e o cadáver queimado. Em sequência, o mesmo procedimento foi realizado nos cadáveres das outras quatro pessoas que haviam morrido de vampirismo, pois receavam que estas pudessem converter em vampiro outras pessoas.

No entanto, todas essas cautelas não puderam evitar que, no final do ano passado — ou seja, ao cabo de cinco anos —, estas calamidades desastrosa recomeçassem e que vários habitantes da mesma aldeia viessem a morrer.

No espaço de três meses, quinze pessoas de diferentes idades e sexo morrem de vampirismo, alguns sem doença alguma e outros após dois ou três dias de definhamento.

Relata-se, entre outros casos, o de uma jovem chamada Stanoska, filha do heiduque Jotuïtzo, que fora dormir em perfeito estado de saúde. Contudo, acordou no meio da noite, completamente trêmula e soltando gritos terríveis. Dizia que o filho do heiduque Millo, falecido há nove semanas, tentara estrangulá-la enquanto dormia. A partir deste momento, a moça só fez definhar e, ao fim de três dias, feneceu. O que dissera a moça acerca do filho de Millo induziu a que este fosse reconhecido como um morto-vivo. Tendo sido exumado, verificaram que, de fato, tratava-se de um vampiro.

Os governantes locais, os médicos e os cirurgiões investigaram o ocorrido, procurando descobrir como o vampirismo havia conseguido renascer, mesmo diante das precauções tomadas alguns anos antes.

Descobriram, finalmente, depois de intensas investigações, que o falecido Arnald Paul não matara apenas as quatro mencionadas pessoas, mas também vários animais. Estes, por sua vez, haviam sido comidos pelas pessoas, que se tornaram novos vampiros, dentre elas o filho de Millo. Com base nessas provas, deliberaram desenterrar todos aqueles que já estavam mortos há um determinado tempo. Encontraram-se dezessete corpos com todos os mais evidentes sinais de vampirismo. Esses cadáveres também tiveram os corações traspassados e suas cabeças cortadas; depois, foram queimados, e suas cinzas jogadas ao rio.

Todos os procedimentos e execuções, de que falamos, foram realizados legal e escorreitamente, sendo atestados por vários oficiais que estavam em serviço na região, pelos principais cirurgiões dos regimentos e pelos principais habitantes do local. As atas foram enviadas no final de janeiro passado para o Conselho de Guerra Imperial em Viena, que havia estabelecido uma comissão militar para investigar a veracidade de todos esses fatos.

Foi o que o declararam o hadnagi Barriarar e os velhos heiduques, em documento assinado por Battuer, primeiro-tenente do regimento de Alexandre de Virtemberg, Clickſtenger, major-cirurgião do regimento de Frustemburch, outros três outros cirurgiões da Companhia, Guoichitz, capitão em Stallath.

[1] Soldado da infantaria húngara.


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"Robin de Sherwood" | Conto https://comboxd.com/quotrobin-de-sherwoodquot-conto/ Sat, 25 Mar 2023 19:51:00 +0000 https://comboxd.com/quotrobin-de-sherwoodquot-conto/ Leitor de Tela Ouvir matéria Parar Robin Hood era um fora da lei que vivia na floresta de Sherwood, na Inglaterra medieval. Ele era famoso por roubar dos ricos e dar aos pobres, e por liderar um grupo de homens leais chamados de “Merry Men”. Ele também era um excelente arqueiro e espadachim, e tinha […]

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Leitor de Tela



Robin Hood era um fora da lei que vivia na floresta de Sherwood, na Inglaterra medieval. Ele era famoso por roubar dos ricos e dar aos pobres, e por liderar um grupo de homens leais chamados de “Merry Men”. Ele também era um excelente arqueiro e espadachim, e tinha uma paixão pela bela Lady Marian.


Um dia, ele soube que o xerife de Nottingham estava planejando capturar o rei Ricardo Coração de Leão, que estava voltando das Cruzadas. O xerife era um homem cruel e corrupto, que cobrava impostos abusivos do povo e apoiava o príncipe João, o irmão traidor do rei. Robin Hood decidiu impedir o plano do xerife e salvar o rei. Ele reuniu seus homens e armou uma emboscada na estrada onde o rei deveria passar. Ele se disfarçou de monge mendigo e se aproximou da comitiva real. Ele pediu uma esmola ao rei, que reconheceu sua voz e seu rosto. O rei ficou surpreso ao ver Robin Hood ali, mas fingiu não conhecê-lo. Ele lhe deu uma moeda de ouro e perguntou quem ele era. Robin Hood respondeu: “Eu sou um pobre homem que vive na floresta de Sherwood. Eu tenho muitos amigos lá, mas nenhum inimigo. Eu amo a justiça e odeio a opressão. Eu sou leal ao meu senhor, o rei Ricardo Coração de Leão.” O rei sorriu e disse: “Você é muito corajoso em dizer isso nesta terra dominada pelo príncipe João e pelo xerife de Nottingham. Eles são os meus inimigos, e também os seus.” Robin Hood disse: “Não tema, meu senhor. Eles não sabem que você está aqui. Eles estão esperando por você em outra estrada, onde eu preparei uma surpresa para eles.” O rei ficou curioso e perguntou: “Que surpresa é essa?” Robin Hood disse: “Venha comigo e veja com seus próprios olhos.” Ele levou o rei para a floresta, onde seus homens estavam escondidos nas árvores. Eles saudaram o rei com alegria e respeito. O rei ficou impressionado com a lealdade e a bravura dos homens de Robin Hood. Robin Hood disse: “Meus amigos, este é o nosso verdadeiro soberano, o rei Ricardo Coração de Leão. Ele voltou das Cruzadas para reclamar seu trono do príncipe João e do xerife de Nottingham.” Os homens gritaram: “Viva o rei! Viva Robin Hood!” Robin Hood disse: “Agora vamos à nossa surpresa. Nós trocamos as placas das estradas para enganar os inimigos do rei. Eles estão indo para uma armadilha que nós preparamos para eles.” Ele mostrou ao rei uma grande pilha de madeira coberta com folhas secas. Dentro dela havia barris cheios de pólvora. Robin Hood disse: “Quando eles chegarem perto desta pilha, nós acenderemos um pavio que vai fazer tudo explodir.” O rei ficou admirado com a astúcia de Robin Hood. Ele disse: “Você é um gênio! Você merece ser meu cavaleiro!” Ele tirou sua espada da bainha e tocou no ombro de Robin Hood. Ele disse: “Eu te nomeio Sir Robin de Locksley!” Robin Hood se ajoelhou diante do rei. Ele disse: “Eu aceito esta honra com humildade e gratidão.” O rei abraçou Robin Hood. Ele disse: “Você é meu amigo fiel! Agora vamos ver como os nossos inimigos vão se sair!” Eles se esconderam novamente nas árvores e esperaram. Logo, o xerife e seus homens chegaram à pilha de madeira, acreditando ser a comitiva real. Quando acenderam o pavio, uma grande explosão ocorreu, lançando-os para longe.
Os homens de Robin Hood avançaram e capturaram o xerife e seus homens. Com a ajuda do rei, eles foram levados à justiça e condenados por suas ações cruéis.
Robin Hood e seus homens foram celebrados como heróis por todo o reino, e Sir Robin de Locksley tornou-se um lendário cavaleiro. Ele casou-se com Lady Marian, sua amada, e continuou a lutar pela justiça e pelos direitos dos pobres.
O rei Ricardo Coração de Leão reconheceu sua lealdade e coragem, e Robin Hood se tornou seu braço direito. Juntos, eles restauraram a paz e a justiça na Inglaterra, tornando-se lendas que viveriam para sempre na história.

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